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Por que eu sou otimista

 

Antigamente, eu era pessimista sobre as perspectivas pro socialismo. Hoje eu sou otimista. Por quê? Porque eu vi as tendências e pensei em algumas coisas.


No começo do século XXI foi a primeira vez que a maioria da população do mundo passou a ser composta de trabalhadores assalariados. Hoje são uns 1,82 bilhão numa população ativa de 3,43 bilhões


Essa classe trabalhadora, que nunca foi tão grande, também nunca teve uma educação tão boa. E tá se concentrando cada vez mais. O número de trabalhadores por empresa aumenta conforme os países crescem. Podem não ser mais fábricas físicas, como no século XX, mas a internet às vezes facilita a comunicação mais ainda.


O mais importante de tudo: as conquistas desses 200 anos não foram perdidas. Os salários reais cresceram, com algumas quedas em períodos de crise. Em lugar nenhum por exemplo o capitalismo conseguiu acabar com as férias, ou aposentadoria (conseguiu no máximo diminuir o crescimento), ou diminuir o acesso à saúde pública etc

Em termos de organização, é mais complicado. A gente tem impressão de que a sindicalização era infinitamente maior porque era muito mais alta. Segundo a OIT, a taxa de sindicalização era de 11,2% em 2019. É difícil estimar quanto era historicamente. O que a gente sabe é que os sindicatos foram muito concentrados na Europa e América do Norte até 1945 e que, hoje, o maior destacamento de trabalhadores do mundo, a China (400 milhões de assalariados), não tem sindicatos independentes... ainda.


No caso das mulheres, os direitos e o espaço real na sociedade conquistados desde o século XIX não têm comparação com o período anterior


Então por que parece o contrário?


Em primeiro lugar, por causa do neoliberalismo.
Até a década de 80, a participação dos trabalhadores no PIB mundial foi aumentando. E começou a diminuir de novo por causa do neoliberalismo. Mas ela tá diminuindo relativamente, porque os lucros não tão mais revertendo em aumentos de salário. Nem 40 anos de neoliberalismo conseguiram derrubar os salários reais



A gente tem uma impressão falsa aqui no Brasil sobre essas coisas por um motivo que aí sim é triste. O Brasil é um dos poucos países que tão regredindo em alguns desses pontos. A distância entre o Brasil e os outros países tá aumentando dos anos 80 pra cá.


Outro motivo é o fim do campo stalinista. A história é contingente, então seria perfeitamente possível a revolução russa ter começado uma onda que levasse até o socialismo em escala mundial. Mas não foi isso que aconteceu, a revolução degenerou e os outros países do campo stalinista já surgiram mais ou menos com as mesmas características.


Essas transições aconteceram em países que ainda tinham várias questões pendentes em relação à libertação nacional e revolução agrária. Essas características explicam tanto os traços de atraso e autoritarismo, como também a força que os processos revolucionários tiveram. 


O stalinismo não era inevitável, nem as condições objetivas pro socialismo ainda estavam imaturas. Mas, de qualquer forma, o stalinismo foi um tumor que cresceu no movimento dos trabalhadores, sugando cada vez mais energia, e atrofiando a consciência e a independência de classe.


A revolução agrária e a independência nacional (formal) hoje em dia estão praticamente concluídas, com poucas exceções. Por isso, as revoluções do Terceiro Mundo diminuíram. 


Por outro lado, como o Pannekoek observou, é muito mais difícil fazer uma revolução socialista do que uma revolução burguesa. É por isso que parece mais difícil fazer revolução hoje em dia:


Na realidade, para os trabalhadores dos países capitalistas desenvolvidos, da Europa Ocidental e da América, o problema é completamente diferente. A sua tarefa não é derrubar uma monarquia absoluta e atrasada, mas derrotar uma classe que comanda o poder moral e espiritual mais gigantesco que o mundo alguma vez conheceu. A classe trabalhadora não pretende de forma alguma substituir o reinado dos especuladores e monopolizadores sobre a produção desordenada pelo reinado dos altos funcionários sobre a produção regulada de cima. Seu objetivo é gerir a própria produção e organizar o próprio trabalho, base da existência. Então, mas só então, o capitalismo terá sido aniquilado. Contudo, tal objectivo não pode ser alcançado por uma massa ignorante e pelos militantes convictos de um partido que se apresenta sob o disfarce de uma liderança especializada. Para isso é necessário que os próprios trabalhadores, toda a classe, compreendam as condições, as formas e os meios da sua luta, que cada um saiba por si o que deve fazer. É necessário que os próprios trabalhadores, coletiva e individualmente, atuem e decidam e, portanto, formem a sua própria opinião. Essa é a única maneira de construir a partir de baixo uma verdadeira organização de classe, cuja forma se assemelhe ao conselho de trabalhadores.


E, finalmente, é porque uma grande parte do programa socialista já foi colocada em prática. Por exemplo, o Programa de Erfurt da socialdemocracia alemã ou o do Partido Operário Socialdemocrata Russo (com maioria bolchevique) tinham reivindicações como: sufrágio universal pra homens e mulheres, igualdade jurídica entre os sexos, educação pública e gratuita, separação entre Estado e religião, jornada de oito horas, proibição do trabalho infantil, previdência social etc. Não que todos os países tenham conseguido tudo isso, mas boa parte delas, sim, e essas reivindicações do programa mínimo são o horizonte hoje que a maioria das pessoas esperam e consideram inegociável.


Se a gente falasse pra um sindicalista ou uma feminista de 1900 como seria a vida hoje, eles iam achar uma utopia. Mesmo tendo acontecido só reformas, e não uma revolução. 


Tem um declínio do movimento sindical em escala internacional desde os anos 70 em termos de greves. Mas isso também reflete que algumas dessas conquistas se institucionalizaram pelo mundo todo. 


E essa diminuição da atividade, junto com o discurso de “o socialismo acabou” quando teve o fim do campo stalinista, explicam a regressão da consciência de classe. Ou seja, em parte é o efeito das próprias conquistas. 


Então qual é a minha conclusão?


Que a única forma de reverter esse acúmulo de organização e conquistas seria uma regressão violenta. Ou uma guerra mundial ou regimes totalitários. Guerra mundial eu considero muito difícil de acontecer, porque as potências mesmo sabem que não ganhariam nada vencendo uma guerra nuclear. E eu acho que o mesmo motivo que impede a reversão das conquistas impede que tenha uma regressão política geral pra ditadura. Eu acho que no geral isso também vale pras mulheres. Porque os únicos lugares em que teve regressão mesmo foram nos regimes fundamentalistas.


Não existe hoje uma consciência de classe difusa como tinha em alguns países até os anos 80 (até no Brasil). Mas existe uma consciência de igualdade e democracia bem vaga. E como não tá tendo regressão generalizada, a tendência é avançar mais. E aí tá o nosso papel de tentar mostrar que é possível e necessária uma outra forma de sociedade.


Pra resumir a história. É o que eu acho que vai continuar a acontecer nesse século. Sendo que eu não descarto que tenha revoluções em alguns lugares. Mas o curso principal não vai mais ser no formato das revoluções do século XX. E sim de outro tipo de movimento social que a gente ainda não consegue ver como vai ser. 


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