Traduzido a partir daqui
"Toda política
é identitária". E "sem políticas identitárias, não
pode haver defesa dos direitos das mulheres ou dos direitos dos
grupos minoritários". Essa são as duas defesas contemporâneas
mais comuns das políticas identitárias. À medida que as críticas
às políticas identitárias se tornaram desenvolvidas e ferozes, a
defesa também ficaram. Então, eu quero começar uma crítica da
crítica, por assim dizer, e assim reafirmar a necessidade de
desafiar as políticas identitárias.
As identidades são,
obviamente, de grande importância. Dão a cada um de nós um senso
de nós mesmos, de nosso enraizamento no mundo e de nossos
relacionamentos com os outros. Ao mesmo tempo, a política é um
meio, ou deveria ser um meio, para nós levar além do senso
estreito de identidade dado a cada um de nós pelas circunstâncias
específicas de nossas vidas e pelas particularidades das
experiências pessoais. Como adolescente, fui atraído pela política
por causa da minha experiência com o racismo. Mas se foi o racismo
que me levou à política, foi a política que me fez ver além dos
limites estreitos do racismo. Aprendi que havia mais justiça social
do que desafiar as injustiças feitas a mim, e que a cor da pele, a
etnia ou a cultura de uma pessoa não fornecem nenhum guia para a
validade de suas crenças políticas. Através da política, fui
apresentado às idéias do Iluminismo e aos conceitos de uma
humanidade comum e direitos universais. Através da política, também
descobri os escritos de Marx e Mill, Baldwin e Arendt, James e Fanon.
Acima de tudo, descobri que, muitas vezes, eu poderia encontrar mais
solidariedade e semelhança com aqueles cuja etnia ou cultura era
diferente da minha, mas que compartilhavam meus valores, do que com
muitos com quem compartilhava uma etnia ou cultura comum, mas não a
mesma visão política.
A política, em
outras palavras, não reforçou minha identidade, e sim me ajudou a
ultrapassá-la. Se eu estivesse crescendo hoje, porém, é bem
possível que minha educação política fosse muito mais estreita,
porque seria moldada principalmente pela minha identidade pessoal e
experiência, em vez de fornecer um meio de transcendê-la; porque
toda a política tem sido, para muitos, vista como política
identitária.
Para entender as
características das políticas identitárias contemporâneas,
precisamos primeiro voltar às origens da política moderna, no final
do século XVIII. Foi quando se estabeleceu a distinção entre
esquerda e direita, como as entendemos. Foi também quando surgiu a
distinção entre as políticas identitárias e seus críticos.
Claro, as políticas identitárias ainda não eram chamadas de
políticas identitárias. Nem eram associadas à esquerda ou às
lutas contra a opressão.
Na verdade, era o
oposto. As origens das políticas identitárias no final do século
XVIII estão na direita reacionária. As políticas identitárias
originais eram o racismo e o nacionalismo, e se desenvolveram no
Contrailuminismo. Esses primeiros críticos do Iluminismo se opuseram
à ideia de valores humanos universais, enfatizando os valores
particularistas incorporados às identidades grupais. “Não há tal
coisa como o Homem", escreveu o arquirreacionário francês
Joseph de Maistre em sua polêmica contra o conceito dos Direitos do
Homem. "Eu vi franceses, italianos e russos ... Quanto ao Homem,
nunca o encontrei em lugar nenhum".
Enquanto os
reacionários adotaram uma visão particularista, os radicais que
desafiaram a desigualdade e a opressão o fizeram em nome dos
direitos universais. Eles insistiram que a igualdade de direitos
pertencia a todos e que existia um conjunto de valores e instituições
através dos quais todos os seres humanos floresceriam melhor. Foi um
universalismo que alimentou os grandes movimentos radicais que
moldaram o mundo moderno - desde a revolução haitiana quase
esquecida, mas extremamente importante, de 1791, às lutas
anticoloniais e antiimperialistas do século XX até o movimento pelo
sufrágio feminino e as batalhas pelos direitos dos homossexuais.
A relação entre
esquerda, direita e identidade mudou nas décadas após a Segunda
Guerra Mundial. Depois do nazismo e do Holocausto, o racismo aberto
tornou-se muito menos aceitável. As velha políticas identitárias
desapareceram, mas surgiu uma nova forma - as políticas identitárias
como uma arma não exercida em nome do racismo e do nacionalismo, mas
para enfrentar o racismo e a opressão e como um meio de desafiar a
desigualdade.
A luta pelos
direitos negros na América, em particular, foi altamente influente
no desenvolvimento de ideias tanto de identidade negra quanto de
autoorganização. Espremidos entre uma sociedade intensamente
racista, por um lado, e, por outro lado, uma esquerda bastante
indiferente à sua situação, muitos ativistas negros romperam com
organizações integradas de direitos civis e criaram grupos negros
separados. Forneceram um modelo para muitos outros grupos, das
mulheres aos nativos americanos, dos muçulmanos aos gays, de
analisar a mudança social através das lentes de suas próprias
culturas, objetivos e ideais.
Na década de 1960,
as políticas identitárias proporcionaram um meio de desafiar a
opressão e a cegueira de grande parte da esquerda sobre tal
opressão, e estavam vinculadas ao projeto mais amplo de
transformação social. Mas, conforme os velhos movimentos sociais e
as lutas radicais perderam a influência, o reconhecimento da
identidade tornou-se um fim em si mesmo. “A exigência não é pela
inclusão dentro da ‘humanidade universal’, com base em atributos
humanos compartilhados”, como afirmou a feminista e socióloga
Sonia Kruks, “Nem é pelo respeito, apesar das diferenças".
Pelo contrário, o que é exigido é o respeito a si como diferente.
O significado da
solidariedade se transformou. Politicamente, o sentimento de
pertencimento a um grupo ou coletivo historicamente foi expresso de
duas formas gerais: através da política de identidade ou através
da política de solidariedade. A primeira enfatiza o apego às
identidades comuns com base em categorias como raça, nação, gênero
ou cultura. A última atrai as pessoas para um coletivo não por
causa de uma identidade determinada, mas para promover um objetivo
político ou social. Onde a política de identidade divide, a
política de solidariedade encontra propósito coletivo através das
fissuras de raça ou gênero, sexualidade ou religião, cultura ou
nação. Mas foi a política de solidariedade que desmoronou nas
últimas duas décadas à medida que os movimentos radicais entraram
em declínio. Para muitos hoje, a única forma de política coletiva
que parece ser possível é a baseada na identidade.
A "solidariedade",
portanto, tornou-se cada vez mais definida não em termos políticos
- como ação coletiva em busca de certos ideais políticos - mas em
termos de etnia ou cultura. A resposta à pergunta "Em que tipo
de sociedade eu quero viver?" passou a ser moldada menos pelo
tipo de valores ou instituições que queremos estabelecer, do que
pelo grupo ou tribo ao qual imaginamos que pertencemos.
A pergunta que as
pessoas se fazem não é tanto "Em que tipo de sociedade eu
quero viver?", e sim "Quem somos nós?". As duas
questões estão, obviamente, intimamente relacionadas, e qualquer
senso de identidade social deve incorporar uma resposta a ambas. Mas,
à medida que a esfera política se reduziu e, à medida que os
mecanismos de mudança política se corromperam, a resposta à
pergunta "Em que tipo de sociedade eu quero viver?" ficou
menos influenciada pelos tipos de valores ou instituições que as
pessoas desejam lutar para estabelecer, do que pelo tipo de pessoas
que eles imaginam que são. E a resposta a "Quem somos?" se
tornou menos definida pelo tipo de sociedade que se quer criar do que
pela história e herança a que se supõe pertencer. O quadro através
do qual entendemos o mundo é menos definido por “liberal” ou
“conservador” ou “socialista” e mais por “muçulmanos",
ou "brancos", ou "ingleses" ou "europeus".
Então, não é que
toda política seja identitária. É que passou a parecer que todas
as políticas só podem ser políticas identitárias, porque a
alternativa, que constituiu o coração das grandes transformações
sociais progressistas nos últimos duzentos anos, foi tão gravemente
corroída. À medida que o ponto de vista universalista desapareceu,
em grande parte junto com muitos dos movimentos sociais que
incorporaram esse ponto de vista e se desintegraram, então o espaço
social desocupado por essa desintegração foi preenchido por
políticas de identidade.
Isso nos leva à
segunda crítica da crítica: política identitária é simplesmente
outro nome para as lutas contra o racismo ou a opressão das mulheres
ou a homofobia, e aqueles que desafiam as políticas identitárias
estão virando as costas a tais lutas. Na realidade, o debate não é
se devemos desafiar a opressão. É sobre como devemos
fazer isso. A maioria de nós que criticamos as políticas
identitárias o fazemos a partir da perspectiva de ter desafiado a
opressão e a injustiça durante a maior parte das nossas vidas
adultas. Na prática, as políticas identitárias contemporâneas
fazem pouco para desafiar as raízes da opressão. O que elas fazem é
empoderar certas pessoas dessas supostas identidades para policiar as
fronteiras de "suas" comunidades ou povos, estabelecendo-se
como guardiões. Isso permitiu que autodenominadas vozes autênticas
ou líderes comunitários consolidassem e protegessem o seu poder.
Como a solidariedade se redefiniu em termos de etnia ou cultura,
então aqueles que exigem ser as vozes dessas etnias ou culturas
recebem novos privilégios. Do ponto de vista da política de
identidade, o acadêmico e ativista afro-americano Adolph Reed observa: "uma sociedade em que 1% da população controle 90%
dos recursos pode ser justa, desde que cerca de 12% dos 1% sejam
negros, 12 % sejam latinos, 50% sejam mulheres e a devida proporção
sejam pessoas LGBT. " É por isso que, acrescenta, quanto mais
agressivamente os trabalhadores de todas as raças, gêneros e
orientações sexuais tenham suas proteções desmanteladas e suas
vidas destruídas "mais fortes e mais insistentes são as
exigências da esquerda identitária" de que "as injustiças
cruciais na sociedade devam ser entendidas na linguagem da identidade
ascriptiva".
Ao mesmo tempo, como
revelam os novos movimentos antiimigrantes e antimuçulmanos e o
surgimento da direita identitária, as formas reacionárias da
política identitária voltaram com uma vingança. Se outros grupos
podem proteger a sua história e herança e identidade cultural como
essenciais para o seu ser social, diz o argumento, por que os brancos
não podem? Muitos liberais agora defendem a "autoidentificação
racial" como simplesmente outra forma de política identitária.
Uma das consequências da normalização da política de identidade é
que o racismo foi reformulado como política identitária branca.
As políticas
identitárias contemporâneas são menos sobre confrontar a injustiça
do que sobre reformulá-la. Então, não, nem toda política é
identitária. E, somente desafiando as políticas identitárias,
podemos realmente desafiar a desigualdade e a injustiça.
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