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José de Almada Negreiros, Heterónimos de Fernando Pessoa: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, 1957-61, desenhos, pormenor da fachada gravada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.


Sendo mortal e, por conseguinte, imperfeito, o homem sempre se verá como parte de uma realidade infinita que o circunda e sempre se achará em luta contra ela. Volta e meia se defrontará com a contradição constituída pelo fato de ser ele um "eu" limitado e, ao mesmo tempo, fazer parte de um todo ilimitado. Em face dessa contradição, os místicos recorrem a outro estado, no qual o homem se acharia "acima de si mesmo" e se integraria a uma misteriosa totalidade chamada Deus. Não sendo místicos não ansiamos por tal estado paradoxal, no qual o homem, pela máxima concentração sobre si mesmo, acaba saindo de si, deixando de ser inteiramente ele próprio, apagando-se para tentar obter a comunhão com uma infinidade situada fora da vida. Nossa meta não é a inconsciência, mas a elevação da consciência. Porém, mesmo o mais elevado grau de consciência que pode ser atingido individualmente nunca será capaz de reproduzir a totalidade do "eu", nunca facultará a completa identificação entre um determinado homem e o gênero humano como um todo. Por isso, assim como a linguagem representa em cada indivíduo a acumulação de milênios de experiência coletiva, assim como a ciência equipa cada indivíduo com o conhecimento adquirido pelo conjunto da humanidade, da mesma forma a função permanente da arte é recriar para a experiência de cada indivíduo a plenitude daquilo que ele não é, isto é, a experiência da humanidade em geral. A magia da arte está em que, nesse processo de recriação, ela mostra a realidade como passível de ser transformada, dominada e tornada brinquedo.


(Ernst Fischer, A Necessidade da Arte)

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