Lidy Prati, Concreto, 1945 |
América
Latina
Na parte
anterior da série, eu tinha prometido falar sobre a expansão do abstracionismo
na América Latina, e imaginava que depois disso eu ia falar sobre o início processo
de decomposição do gênero. Na verdade, como a pintura abstrata na América
hispânica é relativamente tardia (e no Brasil mais ainda), os dois processos
são, em grande parte, inseparáveis. Então, vou falar sobre América Latina e, ao
mesmo tempo, falar do contexto histórico da virada para a Segunda Guerra
Mundial. A minha maior referência sobre a pintura abstrata no nosso continente
eu encontrei aqui.
Numa região
principalmente rural, ainda com poucas grandes cidades, a arte moderna chegou,
no começo nos países mais industrializados (Argentina, Uruguai, Brasil e Venezuela),
com um atraso considerável em relação às metrópoles europeias. Um exemplo marcante
é a Semana da Arte Moderna aqui no Brasil, em 1922 – ano do auge da literatura
modernista (Ulisses, do James Joyce, e
A Terra Devastada, do T.S. Eliot), e momento
do surgimento da última vanguarda histórica, o surrealismo. E mesmo assim, a
pintura modernista brasileira da época, com Anita Malfatti, Lasar Segall e
Tarsila do Amaral, ainda era muito influenciada pelo expressionismo de antes da
guerra.
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Lucio Fontana, Conceito Espacial |
Os pioneiros
do abstracionismo latinoamericano, nessas condições, eram pintores cosmopolitas
que se dividiam entre os seus países e a Europa. Já falei do Torres-García, mas
esse também é o caso de Emilio Pettoruti e Lucio Fontana.
Foi, num
paralelo interessante com a substituição de importações, a crise geral e a
economia de guerra nos países imperialistas permitiram uma autonomia relativa
na América Latina e, na década de 1940, surgiram os primeiros movimentos abstracionistas
autóctones.
Eles são
Arte Concreto-Invención (1945), de Manuel
Espinosa, Tomás Maldonado, Lidy Prati, entre outros, e Arte MADÍ (1946), criada pelo pintor húngaro Gyula Kosice e pelo
uruguaio Carmelo Arden Quin, discípulo do Torres-García. Esses dois movimentos,
agrupando argentinos, uruguaios e europeus, representavam um prolongamento do
neoplasticismo, e do utopismo da Bauhaus, vinculado abertamente ao antifascismo.
No Manifesto Invencionista, eles proclamavam:
Manuel Espinosa, Pintura, 1945 |
Pela alegria inventiva. Contra a nefasta mariposa existencialista ou romântica [...] Contra toda arte de elite. Por uma arte coletiva.
Os dois
movimentos foram uma transição direta para o concretismo e a arte cinética, que
vamos ver mais à frente. Nesse ponto, o que Trotsky chamou de “vantagens do atraso”,
permitiu que a América Latina resolvesse contradições que começavam a se
manifestar nos países imperialistas. Como o abstracionismo brasileiro surge em
1948, com o Manabu Mabe em sincronia com os tachistas europeus, vou voltar para
o cenário pós-Segunda Guerra, com a integração das vanguardas políticas e artísticas
pelo capitalismo tardio.
Arte
Moderna de museu
Depois
da fase heroica, a arte moderna foi, aos poucos, sendo assimilada. A Segunda
Guerra Mundial ajudou nesse processo – os artistas que emigraram para os EUA
foram recebidos com muito prestígio, num gesto que o governo americano fazia
para apresentar o país como refúgio da liberdade.
Ao mesmo
tempo, o período pós-Segunda Guerra foi o do maior desenvolvimento do
capitalismo em toda a sua história, consolidando um padrão de vida antes inimaginável
para a grande maioria da população. Ao mesmo tempo, a revolução tecnicocientífica
e o surgimento da indústria cultural contemporânea mudaram brutalmente a
subjetividade de todas as classes nos países imperialistas.
Foram
essas condições que destruíram as oposições revolucionárias de massas nos
países centrais. Os partidos comunistas se consolidaram como organizações reformistas
dos trabalhadores, e a expressão política do anarquismo quase desapareceu por
décadas. A partir de então, e até hoje, não houve nenhum movimento revolucionário
estável com mais que alguns milhares de integrantes.
As
vanguardas artísticas também passaram pelo mesmo processo de integração. Podemos
ver um grande símbolo disso na Exposição Internacional do Surrealismo, em
Paris, em 1947: a última vanguarda revolucionária do modernismo foi homenageada
pelo establishment da arte.
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Asger Jorn, O Voo Negro, 1955 |
Isso não
quer dizer que não tenha havido resistência. Enquanto os militantes políticos do
surrealismo se refugiavam nas pequenas organizações revolucionárias da época,
como o André Breton na Federação Anarquista francófona, e Benjamin Péret no
grupo comunista de esquerda FOR, a ala artística prosseguia nos grupos COBRA
(Copenhague-Bruxelas-Amsterdã), de Asger Jorn e Constant, fortemente
influenciado pelo surrealismo abstrato do Miró e fortemente crítico ao “surrealismo
oficial”, e no seu sucessor, o Movimento
Internacional por uma Bauhaus Imaginista.
Como
alguns já devem ter reconhecido, o MIBI se fundiu em 1957 com a Internacional
Letrista e a Sociedade Psicogeográfica de Londres para fundar a Internacional Situacionista.
O melhor historiador sobre o período, e sobre as vanguardas artísticas revolucionárias
do Primeiro Mundo, é Stewart Home, autor de Assalto
à Cultura.
Porém,
também em paralelo com as vanguardas políticas, o eixo da luta revolucionária
na arte se deslocou para o Terceiro Mundo. E aqui voltamos ao Brasil.
"O Brasil
é um país condenado ao moderno" (Hélio Oiticica)
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Antônio Bandeira, Paisagem Branca |
Cada
mudança no conteúdo social da arte impõe uma mudança na forma. Se a arte
moderna expressava a crise do sujeito burguês, o que acontece depois da guerra
é a transição para a sua dissolução no pós-modernismo, uma época de decadência
artística extrema.
Essa
dissolução, dentro do gênero abstrato, se manifestou de duas formas, opostas e
complementares. De um lado, a destruição da forma no expressionismo abstrato e
no tachismo. Do outro, o formalismo cada vez mais rigoroso, que vai até o concretismo
e a op art. Depois veremos como foi possível superar essa dupla dissolução,
rompendo com a problemática da pintura.
Nesse
período é que a arte brasileira se sincroniza com as experiências
internacionais. Os concretistas, falando de poesia, falavam que a poesia
brasileira tinha deixado de ser poesia de importação para ser poesia de exportação.
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Manabu Mabe, Vitorioso |
Se o
nome “expressionismo abstrato” foi criado para definir a pintura americana do
pós-guerra, também poderia servir para a obra do Manabu Mabe, que já em 1948
expôs seus quadros inspirados nos ideogramas japoneses. E eram semelhantes ao
expressionismo abstrato, apesar de variações estilísticas, tanto o tachismo
europeu (de que alguns membros do COBRA eram representantes) como alguns
representantes da primeira corrente da pintura moderna japonesa,o grupo Gutai(Incorporação).
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Tomie Ohtake |
Aliás,
pra quem quer reduzir o racismo no Brasil à discriminação de classe, é bom ver
a experiência dos pintores nipobrasileiros que despontaram na década de 1950,
como Mabe, Tomie Ohtake e Tikashi Fukushima. Menos de 50 anos depois da
imigração para o Brasil, esses artistas, a maioria de origem camponesa, tinham
conseguido chegar ao mundo elitista da arte, enquanto o acesso continua barrado
para os artistas negros, principalmente as mulheres, que podem ser contados nos
dedos, sendo que os negros são boa parte da população do país.
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Volpi, Bandeirinhas |
Ao mesmo
tempo, Antônio Bandeira começou a fazer pinturas abstracionistas informais em Paris,
no final dos anos 1940. O percurso mais original até o abstracionismo foi o do
Alfredo Volpi, que começou estilizando casas e bandeirinhas nos seus quadros,
até chegar a características formais próximas do concretismo.
Com a I Bienal
Internacional de Arte, em São Paulo, em 1951, se consolida essa primeira leva
de abstracionistas brasileiros. No ano seguinte, veio o concretismo, mas isso
nós vamos ver na próxima parte, quando falarmos da dissolução formalista.
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