Eu não gostei desse livro.
Já vou avisando isso pra ninguém perder tempo lendo. E pra não ter que
ouvir críticas acadêmicas todo tipo "você não entendeu".
Outra coisa, isso não é exatamente uma resenha, porque tem partes do
livro que eu simplesmente não entendi nada, principalmente quando ele fala de
arquitetura, novo romance, espacialidade e cinema.
Mas, mesmo assim...
Eu vou escrever três ou quatro partes dessa série, e a primeira é sobre
o fundamento material do pós-modernismo na dinâmica do capitalismo.
O que distingue o Jameson de todos os marxistas que estudaram o
pós-modernismo é que ele não acha que se trate simplesmente de uma ideologia.
Isso é uma posição muito interessante porque, sem pensar, eu sempre achei isso:
que o pós-modernismo fosse a ideologia burguesa irracionalista na sua fase de
decomposição final (bem lukacsiano, isso).
O Jameson parte das "condições de produção" do pós-modernismo.
Para ele, o pós-modernismo é bem mais do que uma simples ideologia, é o resultado
da absorção da esfera cultural pela economia capitalista. Por isso, o subtítulo
do livro: o que mudou não foi simplesmente um estilo, mas sim a própria forma
de funcionamento da produção cultural.
Aí é que começa a primeira coisa questionável do livro: pra fundamentar
essa destruição da autonomia da cultura, ele se baseia na obra do Mandel, O Capitalismo Tardio. Na edição
francesa, o livro se chamou La Troisième
Âge du Capitalisme (A Terceira Era do Capitalismo), e o Jameson se apega
muito à ideia de que o Mandel está falando de uma terceira etapa
qualitativamente nova do capitalismo, em que as leis do sistema aparecem no seu
estado puro e que, por isso, não existe mais autonomia da cultura.
Eu acho que é essa incompreensão
sobre o capitalismo tardio que é a base da visão do Jameson de que não se pode
"recusar" o pós-modernismo, porque toda a cultura funciona segundo
essa lógica, mesmo que queira criticar:
Entretanto, se o pós-modernismo é um fenômeno histórico, então a tentativa de conceituá-lo em termos de moral, ou de julgamentos moralizantes, tem que ser identificada com um erro categorial. Isso torna-se mais óbvio ao questionarmos a posição do crítico cultural moralista; este, como todos nós, está tão profundamente imerso no espaço pós-moderno, tão profundamente tingido e contaminado por suas novas categorias críticas que o luxo da crítica ideológica mais antiga, a indignada denúncia moral do outro, torna-se inviável.
Ele, mais para o final do livro, vai identificar na figura dos
"grandes artistas" do modernismo um ranço artesanal que não pode mais
existir no capitalismo tardio. E vai dizer que a possibilidade de crítica da
modernidade capitalista era condicionada pela sobrevivência de setores
precapitalistas na sociedade, que permitiam um distanciamento necessário para a
crítica (por exemplo, o Kafka olhando o Império Austro-hungaro do ponto de
vista de quem estava planejando morar num kibutz).
Acho que O Capitalismo Tardio
é a grande obra marxista sobre o capitalismo contemporâneo. Não tem como falar
muito sobre o livro aqui, mas o que interessa pro assunto é que o Mandel não
está dizendo a mesma coisa que o Jameson sobre o capitalismo tardio, e por dois
motivos:
- O Mandel, e nisso é está dentro da ortodoxia leninista e trotskista,
de forma nenhuma fala que as outras formações sociais precapitalistas foram
eliminadas pelo capitalismo tardio. Exatamente ao contrário, para ele o
capitalismo tardio é a segunda fase do imperialismo e, ainda sendo vigente a
teoria da revolução permanente, do Trotsky, a burguesia (tanto imperialista
como nacional) não tem interesse nem condições de estender o capitalismo para o
mundo inteiro.
Assim uma grande parte dos países atrasados continua a sofrer com a
exploração do campesinato, formas de trabalho por conta própria (artesanato,
camelôs) etc. Que eu saiba, foi o Bukhárin (na sua fase esquerdista, em Imperialismo e Economia Mundial) que
imaginou que o imperialismo tinha criado uma sociedade completamente
capitalista em escala mundial.
- o próprio conceito de capitalismo tardio já indica uma fase de
decadência do modo de produção. O grande erro do Mandel foi não ter explicado
do ponto de vista da dinâmica do capitalismo as condições da decadência (para
isso, a sua teoria da "pluricausalidade" foi o maior obstáculo), mas
ele indicou vários elementos que mostram que, longe de seguir as leis do
capitalismo em "formas puras", vários elementos apontam para uma
incapacidade cada vez maior de funcionamento do sistema, como a inflação permanente,
a intervenção estatal de tipo keynesiano, o inchamento do setor de serviços
etc.
Então, eu vejo a raiz de todos os problemas do livro nessa ideia de que
não existe um "fora" do capitalismo, seja na forma de outros modos de
produção, seja na forma da natureza, seja na forma do inconsciente:
(...) ao mesmo tempo, já nos referimos a como a nova expansão do capital multinacional acaba penetrando e colonizando exatamente aqueles enclaves precapitalistas (a Natureza e o Inconsciente) que antes ofereciam uma base extraterritorial ou arquimediana para a efetividade crítica.
É essa ideia que determina a incapacidade de romper com o
pós-modernismo, que ele depois tenta transformar na busca por uma política
cultural radical dentro do pós-modernismo, ou seja, um pós-modernismo crítico.
Aqui, eu acho que existem duas questões diferentes misturadas. Por um
lado, é impossível “contornar” as condições de produção da arte pós-moderna, e
produzir arte como se ainda fosse a época do alto modernismo ou até antes
(escrever romances realistas socialistas, criar pequenos movimentos de
vanguarda, ser um intelectual tradicional segundo a definição do Gramsci etc).
E, mesmo se o Jameson não estiver completamente certo, é um fato que a
autonomia da esfera da arte passa por uma decadência acelerada desde o começo
da hegemonia pós-moderna. Um caso que mostra isso é o do Zizek, que é um
filósofo, mas não pode não ser uma celebridade, nas condições atuais da cultura
de massa. A discussão sobre as formas de autonomia possíveis (ou de superações
da autonomia, por exemplo, como os situacionistas tentaram) eu vou fazer em
outro momento (e isso está ligado diretamente à existência ainda efetiva de um
“fora” das relações capitalistas).
Por outro lado, o Jameson parece estar dizendo que, dentro dessas
condições de produção, o conteúdo também tem que ser, necessariamente,
pós-moderno. Aí é que a coisa complica, porque nos “estilos” pós-modernos não
existem somente as técnicas, que logicamente seria impossível ignorar (esquecer
a espacialidade da folha na poesia, a tridimensionalidade do suporte na
pintura, desprezar solenemente as citações da cultura de massa etc), mas também
a ideologia que deriva dessas técnicas e que é assumida inconscientemente – ou
até mesmo conscientemente - quando não é criticada.
E essa ideologia, sim, é totalmente reacionária, relativista e
irracionalista. Ela é exatamente o que os marxistas mais ortodoxos criticam quando
falam do pós-modernismo como ideologia. O Jameson tende sempre a ver “sintomas”
utópicos mesmo dentro das obras pós-modernas mais cerradas, como veremos nas
próximas partes. E nisso está um elemento de apologia indireta do capitalismo
tardio nesse livro.
Na próxima parte, eu vou falar sobre o problema do sujeito no
pós-modernismo, que se desdobra no contraste com o estado dele nas outras fases
do capitalismo, e nas condições da política pós-moderna.
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