![]() |
Para comprar o livro, fale com o autor pelo e-mail luizim23@gmail.com |
Essa vontade triste de ser e acabar-se sempre no antes
Vazio de Dentro (2020) é o segundo livro do Luiz Andrade, o primeiro foi Matutando (2017). Esse faz parte do outro pólo do mundo do autor. O Matutando fala muito do universo rural mineiro, evocando a infância, a família, a natureza, enquanto Vazio de Dentro é a passagem pro mundo urbano.
Ele se divide em duas partes, que tecnicamente são bem diferentes, quase que dois livros quase independentes - ou então, a primeira parte, com epígrafe do Álvaro de Campos, o heterônimo mais urbano do Fernando Pessoa (“porque ser é ser bastardo/ e só Deus nos servia”) é meio que a suma do que é explicado mais narrativa e discursivamente na segunda parte, com epígrafe do Alberto Caeiro (“não acredito que eu existe por detrás de mim”). Os poemas da primeira parte são curtos, algumas vezes lembram haikais (“embarquinho de papel/ sopra o vento da memória/ na proa rasa de minha infância”) ou até koans (“desalinhem os panos das pregas d’alma/ com o cuidado antigo das lavadeiras/ na beira dos riachos”), se bem que o conteúdo não tem nada de zen.
Pelo contrário, ele continua a dialética da trajetória que começa no Matutando: de uma evocação do mundo perdido da infância (“os terços, guardo em caixa de sapatos do tempo que calçava 29/ uma em cima da outra, empilho das fotos das mulheres que/ quase amei/ aceno ao vazio da casa ainda em presença de minha mãe”) até uma cidade grande em que quase não surgem signos urbanos, complementando os signos da vida rural, e sim imagens cada vez mais abstratas ou que, quando são concretas, são representações meio universais da dor e da materialidade humana (“estou são de mente e corpo/ na antevisão de um colapso neural”). Uma das metáforas que tentam materializar a dureza e o vazio é a das pedras (“em pequenas cordilheiras de indiferença mineral/ me debruço sobre as pedras/ orelhas sobre o casco duro:/ não dizem coisa alguma”).
Nas duas partes, ele corre o risco que é comum na poesia modernista ou pós-moderna, de colapsar a poesia dentro da subjetividade e todos os poemas virarem fragmentos sobre a individualidade despedaçada. Mas ele consegue escapar, olhando pra fora. Talvez na primeira parte o poema mais bonito seja esse sobre o amor (Pra Sempre), e na segunda parte ele fala de temas próximos para ele: a arte, em uma provável homenagem ao Augusto dos Anjos (A Ideia), e nos poemas Turner e Ode a Sá-Carneiro, mas também à filosofia e à civilização grega (“a tragédia te estraçalha/ a comédia pilheria os destroços do resto que és// o que querem os gregos, afinal?”), ou até coisas simples do cotidiano: mosquitos (“se fossem homens morreriam tristes digerindo filosofias e religiões/ mas são mosquitos, sobreviventes das hecatombes cósmicas/ carbonos longínquos em revoar efêmero ao redor da luz”), o desejo (“ata-me no cru de seu pelo-/ axila em flor de sabor acre/ furta-me de olhar em mim/ a prostração do seu quase orgasmo”), a noite (“e os ponteiros do relógio da Central marcam 2:45/ há 10 anos”).
O deslocamento que aconteceu saiu de mundo de coisas vivas, com pouca separação entre memória, imaginação e realidade, que algumas vezes lembra os poemas do Manoel de Barros, para esse mundo urbano em que o poeta encontra o próprio vazio de dentro, que tem uma parte de nostalgia e desencantamento do mundo. Acho que isso explica não só o deslocamento para temas mais próximos aos heterônimos pessoanos, ao Augusto dos Anjos como eu já falei, como também o tom mais discursivo e, às vezes, explosivo de alguns poemas.
Comentários
Me manda sim pra gente trocar uma ideia! O meu e-mail é rodrigosilvadoo@gmail.com