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Sobre a questão da transição para o socialismo (7) Oskar Lange e o cálculo econômico numa economia planificada


Essa é uma tradução (acho que a primeira em português) do terceiro capítulo do artigo Sobre a Teoria Econômica do Socialismo, de 1936, que é a resposta do Oskar Lange à tese do Ludwig von Mises sobre a impossibilidade do cálculo econômico no socialismo. Em Capitalismo, Socialismo e Democracia, o Joseph Schumpeter concorda com a análise do Lange. O ponto de vista do Lange foi geralmente considerado direitista no movimento comunista, e a forma de planificação nos países do campo da URSS foi, em quase todos os casos, a planificação burocrática que o Lange criticou no pós Segunda Guerra, quando trabalhou na Escola de Planejamento e Estatística da Polônia.



O procedimento de tentativa e erro numa economia socialista

A fim de discutir o método de alocação de recursos numa economia socialista, temos que declarar que tipo de sociedade socialista temos em mente. O fato da propriedade pública dos meios de produção, por si só, não define o sistema de distribuição dos bens de consumo e de alocação das pessoas nas várias ocupações, nem os princípios que guiam a produção das mercadorias. Vamos assumir que a liberdade de escolha de consumo e de escolha de ocupação seja mantida, e que as preferências dos consumidores, expressas pelos preços de demanda, sejam os critérios norteadores da produção e da alocação de recursos. Depois, passaremos ao estudo de um sistema socialista mais centralizado¹.

No sistema socialista descrito, temos um verdadeiro mercado (no sentido institucional da palavra) de bens de consumo e de trabalho. Mas não existe mercado de bens de capital e de recursos produtivos que não o trabalho² . Os preços dos bens de capital e dos recursos produtivos além do trabalho são, assim, preços num sentido geral, isto é, meros índices das alternativas disponíveis, fixados para o propósito de contabilização. Vejamos como o equilíbrio econômico é determinado em tal sistema. Assim como num sistema competitivo individualista, a determinação do equilíbrio consiste em duas partes.

(A) Com base em determinados índices de alternativas (que são os preços de mercado, no caso dos bens de consumo, e dos serviços profissionais e preços de conta nos outros casos), tanto os indivíduos participantes do sistema econômico como consumidores quanto os gestores da produção e das fontes de recursos além do trabalho (ou seja, capital e recursos naturais) tomam suas decisões de acordo com certos princípios. Assume-se que esses gestores são agentes públicos.

(B) Os preços (sejam os de mercado ou de conta) são determinados pela condição em que a quantidade demandada de cada mercadoria é igual à quantidade ofertada. As condições que determinam as decisões em (A) são subjetivas, enquanto as em (B) são as condições objetivas de equilíbrio. Finalmente, temos também uma condição C, que expressa a organização social do sistema econômico. Como os recursos produtivos que não o trabalho são propriedade pública, os rendimentos dos consumidores são separados da propriedade desses recursos, e a forma da condição C é determinada pelos princípios adotados para a formação dos rendimentos. A possibilidade de determinar a condição C de diferentes formas dá a uma sociedade socialista uma liberdade considerável em termos de distribuição de renda. Mas a necessidade de manter a liberdade de escolha de ocupação limita o uso arbitrário dessa liberdade, porque deve existir alguma conexão entre o rendimento de um consumidor e os serviços prestados por ele. Parece, portanto, conveniente encarar a renda dos consumidores como sendo composta por duas partes: uma parte sendo o que é recebido pelo trabalho realizado, e a outra parte sendo um dividendo social constituído pela participação dos indivíduos no rendimento do capital e dos recursos naturais pertencentes à sociedade. Assumimos que a distribuição do dividendo social se baseia em determinados princípios, reservando o conteúdo desses princípios a discussão posterior. Assim, a condição C é determinada e determina os rendimentos dos consumidores em termos de preços de serviços profissionais e dividendo social que, por sua vez, podem ser vistos como determinados pelo rendimento total do capital e dos recursos naturais e pelos princípios de distribuição desse rendimento que forem adotados³.

A. Consideremos as condições subjetivas de equilíbrio numa economia socialista :

( 1 ) Assumindo-se a liberdade de escolha no consumo4, as condições subjetivas de equilíbrio de um mercado competitivo também se aplicam ao mercado de bens de consumo em uma economia socialista. Dados os rendimentos dos consumidores e os preços dos bens de consumo, a demanda pelos bens de consumo é determinada.

(2) As decisões dos gestores da produção não são mais guiadas pelo objetivo de maximizar os lucros. Em vez disso, há regras impostas pelo Órgão Central de Planejamento, com o objetivo de satisfazer as preferências dos consumidores da melhor maneira possível. Uma regra deve impor a cada planta de produção a escolha da combinação de fatores de produção e a escala de produção que minimize o custo médio de produção. O produto total da indústria deve ser determinado pela regra de produzir exatamente a quantidade de uma mercadoria, nem mais nem menos, que possa ser vendida aos consumidores ou “contabilizada” em outras indústrias a um preço igual ao custo médio de produção .

A primeira regra substitui o objetivo do produtor privado, de maximizar o seu lucro, enquanto os preços dos fatores de produção e do produto são independentes da quantidade de cada fator usado e da escala do produto. Essa regra faz com que os fatores se combinem em tal proporção que a produtividade marginal da quantidade de cada fator equivalente a uma unidade de dinheiro seja a mesma para todos os fatores5 e, mais, a que a escala da produção de uma planta seja tal que iguale o custo marginal e o preço do produto. Juntas, as duas regras determinam o número de plantas em cada indústria. Para permitir que os gestores da produção sigam essas regras, os preços dos fatores e dos produtos devem ser dados. No caso dos bens de consumo e dos serviços profissionais, eles são determinados pelo mercado, em todos os outros casos, eles são fixados pelo Órgão Central de Planejamento. Dados esses preços, a oferta de produtos e a demanda de fatores são determinadas .

As razões para adotar as duas regras mencionadas são óbvias. Como os preços são índices dos “termos em que as alternativas são oferecidas”, o método e a escala da produção que minimizam o custo médio também minimizam as alternativas sacrificadas. Assim, a primeira regra significa simplesmente que cada mercadoria tem que ser produzida com um mínimo sacrifício de alternativas. A segunda regra é uma consequência necessária de se seguirem as preferências dos consumidores. Se a segunda regra não fosse seguida, algumas preferências, mais baixas na escala seriam satisfeitas, enquanto outras preferências, mais altas na escala, ficariam insatisfeitas.

(3) Assumindo-se a liberdade de escolha de ocupação, os trabalhadores oferecem os seus serviços à indústria ou ocupação que pagar os maiores salários. Um preço deve ser fixado pelo Órgão Central de Planejamento para o capital e os recursos naturais, ambos públicos, com a provisão de que esses recursos só possam ser direcionados às indústrias que forem capazes de “pagar”, ou melhor, “contabilizar” esses preços. Essa é uma consequência de se seguirem as preferências dos consumidores. Dados os preços dos serviços das fontes de serviços produtivos, a sua distribuição entre as diferentes indústrias também é determinada .

B. As condições subjetivas de equilíbrio só podem se realizar quando os preços são dados. Isso também se aplica às decisões dos gestores de produção e aos recursos produtivos de propriedade pública. Só quando os preços são dados é que o custo médio mínimo, o produto que iguala o custo médio e o preço do produto, e a alocação ótima das fontes de recursos produtivos são determinados. Mas, se não existir mercado (no sentido institucional da palavra) de bens de capital nem das outras fontes de serviços produtivos sem ser o trabalho, como os seus preços podem ser determinados objetivamente? Os preços não devem ser fixados pelo Órgão Central de Planejamento, necessariamente de forma arbitrária? Se for assim, o seu caráter arbitrário os privaria de qualquer significado econômico como índices dos “termos em que as alternativas são oferecidas”. Essa é, na verdade, a opinião do Professor Mises6. Esse ponto de vista é compartilhado pelo senhor Cole, que diz:

Uma economia sem plano, em que cada empreendedor toma as suas decisões à parte dos outros, obviamente confronta cada empreendedor com uma estrutura de custos dada, de forma ampla, representada pelo nível corrente de salários, alugueis e juros… Numa economia socialista planificada, não pode existir estrutura de custos objetiva. Os custos podem ser imputados de qualquer forma desejada… Mas esses custos imputados não são objetivos, e sim custos fiat determinados pela política pública do Estado7.

Contudo, esse ponto de vista pode ser facilmente refutado recapitulando-se os próprios elementos da teoria dos preços.

Por que existe uma estrutura objetiva de preços num mercado competitivo? Porque, como resultado da função paramétrica dos preços, existe, em geral, somente um conjunto de preços que satisfaça as condições objetivas de equilíbrio, ou seja, que iguale a oferta e a procura de cada mercadoria. A mesma estrutura objetiva de preços pode ser obtida em uma economia socialista, se a função paramétrica dos preços for mantida. Num mercado competitivo, a função paramétrica dos preços resulta do número de indivíduos em competição ser grande demais para permitir que qualquer um influencie os preços pelas suas próprias ações. Numa economia socialista, a produção e a propriedade dos recursos produtivos que não o trabalho sendo centralizadas, os gestores certamente podem influenciar e influenciam os preços com as suas decisões. Portanto, a função paramétrica dos preços deve ser imposta a eles pelo Órgão Central de Planejamento, como uma regra contábil. Toda a contabilidade deve ser feita como se os preços fossem independentes das decisões tomadas. Para o propósito de contabilidade, os preços devem ser tratados como constantes, como são tratados pelos empresários em um mercado competitivo. A técnica para atingir esse fim é muito simples: o Órgão Central de Planejamento tem que fixar os preços e ver se todos gestores de fábricas, indústrias e recursos fazem a sua contabilidade na base dos preços fixados pelo Órgão Central de Planejamento, e não tolerar o uso de nenhum outro tipo de contabilidade. Tão logo a função paramétrica dos preços seja adotada como regra contábil, a estrutura de preços é estabelecida pelas condições objetivas de equilíbrio. Para cada conjunto de preços e rendimentos dos consumidores, uma determinada quantidade de cada mercadoria é ofertada e demandada. A condição C determina os rendimentos dos consumidores pelos preços dos serviços das fontes de recursos produtivos, e os princípios adotados para a distribuição do dividendo social .

Dados esses princípios, os preços são as únicas variáveis que determinam a demanda e a oferta de mercadorias. A condição de que a quantidade demandada e ofertada tem que ser igual para cada mercadoria serve para selecionar os únicos preços de equilíbrio que asseguram a compatibilidade entre todas as decisões tomadas. Qualquer preço diferente do preço de equilíbrio mostraria no final do período contábil um excesso ou falta da mercadoria em questão. Assim, os preços contábeis em uma economia socialista, longe de serem arbitrários, têm o mesmíssimo caráter objetivo que os preços de mercado num regime de competição. Qualquer erro cometido pelo Órgão Central de Planejamento ao fixar os preços se anunciaria de uma forma muito objetiva: por uma falta ou excesso físico da quantidade das mercadorias ou recursos em questão, e teria que ser corrigido a fim de manter a produção em fluxo. Como, geralmente, existe apenas um conjunto de preços que satifaz as condições objetivas de equilíbrio, tanto os preços dos produtos como os custossão determinados de uma só vez9.

O nosso estudo da determinação dos preços de equilíbrio numa economia socialista mostrou que o processo de determinação dos preços é análogo ao de um mercado competitivo. O Órgão Central de Planejamento desempenha as funções do mercado. Ele estabelece as regras para a combinação dos fatores de produção e escolha da escala do produto de uma planta, para a determinação do produto de uma indústria, para a alocação dos recursos e para o uso paramétrico dos preços na contabilidade. Finalmente, ele fixa os preços de modo a equilibrar as quantidades demandadas e ofertadas de cada mercadoria. Segue-se que uma substituição das funções do mercado pelo planejamento é possível e factível. 

Dois problemas merecem atenção especial. O primeiro é a determinação da melhor divisão do dividendo social. Assumindo-se a liberdade de escolha de ocupação, a distribuição do dividendo social pode afetar a quantidade de serviços profissionais oferecidos pelas diferentes indústrias. Se algumas ocupações recebem um dividendo social maior que outras, o trabalho vai ser canalizado para as ocupações que recebem um dividendo maior. Portanto, a distribuição do dividendo deve ser feita de tal forma a não interferir na distribuição ótima dos serviços profissionais entre as diferentes indústrias e ocupações. A distribuição ótima é a que torna o valor do produto marginal dos serviços profissionais nas diferentes indústrias e ocupações proporcional à desutilidade marginal10 de trabalhar nessas indústrias e ocupações11. Para assegurar não só que os salários, mas também o dividendo social recebido pelos indivíduos tenham alguma relação com a desutilidade marginal do tipo particular de serviços profissionais realizados, o dividendo social para a cada indivíduo deve ser tal que não perturbe a proporcionalidade do preço de oferta dos diferentes serviços profissionais e da desutilidade de executá-los. Isso é possível ao se tornar o dividendo social uma porcentagem fixa da taxa salarial. Como resultado desse princípio de distribuição do dividendo social, os rendimentos em dinheiro das diferentes ocupações são proporcionais ao valor do produto marginal dos serviços profissionais realizados por cada ocupação, mas não são iguais a ele. O excesso dos rendimentos em dinheiro sobre o valor do produto marginal dos serviços profissionais é o dividendo social. 

O outro problema é a determinação da taxa de juros. Temos que distinguir entre a solução de curto e a de longo prazo para esse problema. Para a primeira, a quantidade de capital é considerada constante e a taxa de juros é determinada simplesmente pela condição de que a demanda de capital seja igual à quantidade disponível. Se a taxa de juros for fixada baixa demais, o sistema bancário socializado fica incapaz de suprir a demanda de capital das indústrias; se a taxa de juros for fixada alta demais, haveria um excesso de capital disponível para investimento. Entretanto, a longo prazo, a quantidade de capital pode aumentar devido à acumulação. Se a acumulação do capital for feita de forma “corporativa”, antes de distribuir o dividendo social aos indivíduos, a taxa de acumulação pode ser determinada arbitrariamente pelo Órgão Central de Planejamento. O Órgão Central de Planejamento provavelmente vai ter como objetivo acumular o suficiente para tornar a produtividade líquida marginal do capital zero12, nunca conseguindo realizar esse objetivo, por causa do progresso técnico (novos dispositivos que poupam trabalho), do aumento da população e da descoberta de novos recursos naturais e, possivelmente, por causa da mudança da demanda para mercadorias produzidas por métodos mais intensivos de capital. Mas a taxa, ou seja, a velocidade, a que a acumulação progride é arbitrária. A arbitrariedade da taxa de acumulação do capital realidade “corporativamente” significa somente que a decisão sobre a taxa de acumulação reflete como o Órgão Central de Planejamento, e não os consumidores, avaliam o tempo ótimo do fluxo de rendimentos. Pode-se dizer, é claro, que isso envolve uma diminuição do bem-estar dos consumidores. Essa dificuldade só pode ser superada se deixarmos toda acumulação ser feita pelas poupanças dos indivíduos13. Mas isso dificilmente seria compatível com a organização de uma sociedade socialista. A perda desse poder de determinar a taxa de acumulação do capital é o preço que o consumidor tem que pagar para viver numa sociedade socialista14. Nos parece que esse preço seria mais do que compensado pelas vantagens que uma economia socialista oferece, mas adiamos agora a discussão desse ponto.

Tendo tratado da determinação teórica do equilíbrio econômico numa sociedade socialista, vejamos agora como o equilíbrio pode ser determinado por um método de tentativa e erro similar ao de um mercado competitivo. Esse método de tentativa e erro é baseado na função paramétrica dos preços. Deixe o Órgão Central de Planejamento começar com um dado conjunto de preços, escolhido aleatoriamente. Todas as decisões dos gestores da produção e dos recursos produtivos públicos, e também todas as decisões dos indivíduos como consumidores e ofertadores de trabalho são tomadas com base nesses preços. Como resultado dessas decisões, a quantidade demandada e a ofertada de cada mercadoria são determinadas. Se a quantidade demandada de uma mercadoria não for igual à quantidade ofertada, o preço daquela mercadoria tem que ser mudado. Ele tem que aumentar, se a demanda superar a oferta, e baixar, se for o contrário. Assim, o Órgão Central de Planejamento fixa um novo conjunto de preços, que serve de base para novas decisões, e que resulta em um novo conjunto de quantidades demandadas e ofertadas. Através desse processo de tentativa e erro, os preços de equilíbrio são finalmente determinados. Na verdade, o processo de tentativa e erro seria, é claro, baseado nos preços dados historicamente. Ajustes relativamente pequenos seriam constantemente feitos nos preços, e não haveria necessidade de construir um sistema de preços completamente novo. Esse processo de tentativa e erro foi descrito de forma excelente pelo falecido professor Fred M. Taylor. Ele assume que os administradores da economia socialista dariam valores provisórios aos fatores de produção (assim como a todas as outras mercadorias), e continua: “Se, ao regular os processos produtivos, as autoridades estivessem usando, no caso de algum fator em particular, um valor alto ou baixo demais, esse fato logo se revelaria infalivelmente. Assim, supondo-se que, no caso de algum fator em particular, o valor (…) fosse alto demais, esse fato levaria inevitavelmente as autoridades a economizar indevidamente no uso desse fator; e essa conduta, por sua vez, tornaria a quantidade do fator disponível para o período produtivo corrente maior que o consumido durante o período. Em outras palavras, uma avaliação alta demais de qualquer fator faria o estoque desse fato mostrar uma sobra no fim do período produtivo15.” Da mesma forma, uma avaliação baixa demais causaria um déficit no estoque desse fator. “O excesso ou o déficit – um dos dois – seria o resultado de cada avaliação errada de um fator16.” Através de tentativas sucessivas, os preços contábeis corretos dos fatores seriam encontrados .


Assim, os preços de conta numa economia socialista podem ser determinados pelo mesmo processo de tentativa e erro pelo qual os preços são determinados num mercado competitivo. Para determinar os preços, o Órgão Central de Planejamento não precisa ter “listas completas das diferentes quantidades de todas as mercadorias que poderiam ser compradas a qualquer combinação possível de preços das diferentes mercadorias que pudessem estar disponíveis17.” Nem precisaria ter que resolver centenas de milhares (como o professor Hayek espera18) ou milhões (como o professor Robinson pensa19) de equações. As únicas “equações” que teriam que ser “resolvidas” seriam as dos consumidores e as dos gestores das plantas de produção. Essas são exatamente as mesmas “eq uações” que são resolvidas no presente sistema econômico, e as pessoas que “resolvem” também são as mesmas. Os consumidores as “resolvem” gastando os seus rendimentos de forma a tirar deles a máxima utilidade total; e os gestores das plantas de produção as “resolvem” encontrando a combinação de fatores e a escala do produto que minimiza o custo médio. Eles a “resolvem” através de um método de tentativa e erro, fazendo (ou imaginando) pequenas variações de margem, como Marshall costumava dizer, e observando o efeito dessas variações, ou sobre a utilidade total ou sobre o custo médio de produção. E só alguns deles são formados em matemática no nível superior. Os próprios professores Hayek e Robins “resolvem” pelo menos centenas de equações todos os dias, por exemplo, ao comprar um jornal ou ao decidir almoçar em um restaurante, e presume-se que eles não usem determinantes nem jacobianas para isso. E cada empreendedor que contrata ou demite um trabalhador, ou que compra um fardo de algodão, “resolve equações” também. Exatamente as mesmas “equações”, sem mais nem menos, têm que ser “resolvidas” numa economia socialista, e exatamente os mesmos tipos de pessoas, os consumidores e os gestores das plantas de produção, têm que “resolvê-las”. Para estabelecer os preços como parâmetros que sirvam para que as pessoas “resolvam equações”, não é necessária nenhuma matemática também. Nem é necessário nenhum conhecimento das funções de oferta e procura. Os preços corretos são encontrados, simplesmente, observando as quantidades demandadas e as quantidades ofertadas, e aumentando o preço sempre que houver um excesso de demanda sobre a oferta, e o baixando no caso oposto, até que, por tentativa e erro, seja encontrado um preço que equilibre a oferta e a procura.


Como vimos, não existe a menor razão para que um procedimento por tentativa e erro, semelhante ao de um mercado competitivo, não possa funcionar em uma economia socialista para determinar os preços de conta dos bens de capital e dos recursos produtivos públicos. De fato, parece que ele funcionaria ou, pelo menos, poderia funcionar, muito melhor em uma economia socialista do que num mercado competitivo. Porque o Órgão Central de Planejamento tem um conhecimento muito mais amplo do que está acontecendo no sistema econômico como um todo do que qualquer empresário privado jamais poderia ter; e, consequentemente, pode ser capaz de atingir os preços de equilíbrio corretos com uma série muito mais curta de tentativas sucessivas do que um mercado competitivo consegue20. O argumento de que, numa economia socialista, os preços de conta dos bens de capital de dos recursos produtivos públicos não podem ser determinados objetivamente, ou porque seja teoricamente impossível, ou porque não existe nenhum procedimento adequado de tentativa e erro disponível, não se sustenta. Em 1911, o professor Taussig classificou o argumento de que “os bens não podem ser avaliados” entre as objeções ao socialismo que são “de pequeno peso21.” Depois de todas as discussões desde aquela época, não existe nenhuma razão para mudar essa opinião. 



Notas

1 Na literatura de antes da Guerra, os temos socialismo e coletivismo eram usados para designar um sistema socialista como o descrito acima, e a palavra comunismo era usada para denotar sistemas mais centralizados. A definição clássica de socialismo (e de coletivismo) era a de um sistema que socializa somente a produção, enquanto o comunismo era definido como a socialização tanto da produção como do consumo. Atualmente, essas palavras se tornaram termos políticos com conotações especiais.
2 Para simplificar o problema, assumimos que todos os meios de produção são públicos. É desnecessário dizer que, em qualquer comunidade socialista real, deve haver um grande número de meios de produção privados (por exemplo, camponeses, artesãos e pequenos empresários). Mas isso não traz nenhum novo problema teórico.
3 Ao formular a condição C, a acumulação do capital tem que ser levada em conta. A acumulação do capital pode ser feita tanto “corporativamente”, deduzindo uma determinada parte da renda nacional antes do dividendo social ser distribuído, ou pode ser deixada às poupanças dos indivíduos, ou os dois métodos podem ser combinados. Mas a acumulação “corporativa” deve certamente ser a forma dominante de formação de capital numa economia socialista.
4 É claro, pode haver também um setor de consumo socializado com os custos pagos por impostos. Tal setor também existe na sociedade capitalista, e compreende não só a provisão de necessidades coletivas, no sentido de Cassel, mas também de outras necessidades, cuja satisfação tem uma importância social demasiado grande para que seja deixada à livre escolha dos indivíduos (por exemplo, hospitais públicos e educação gratuita). Mas esse problema não representa nenhuma dificuldade teórica e podemos desconsiderá-lo.
5 Veja, entretanto, a correção de fatores limitantes na nota 2 da publicação original.
6 Vide "Economic Calculation in the Socialist Commonwealth," re impresso em Collectivist
Economic Planning, p. 112.
7 G. D. H. Cole, Economic Planning, New York, I935, pp. I83-4.
8 O professor Hayek ma ntém que seria impossível determinar o valor dos instrumentos de produção duráveis porque, em consequência das mudanças, “o valor da maioria dos instrumentos de produção mais duráveis tem pouca ou nenhuma conexão com os custos que foram exigidos para a sua produção” (Collectivist Economic Planning, p. 227). É bem verdade que o valor de tais instrumentos duráveis é essencialmente uma quase-renda capitalizada e, portanto, só pode ser determinado depois que o preço que vai ser obtido para o produto for conhecido (cf. ibidem p. 228). Mas não existe razão por que o preço do produto devesse ser menos determinado numa sociedade socialista do que num mercado competitivo. Os gestores da planta industrial em questão têm somente que pegar o preço fixado pelo Órgão Central de Planejamento como base de cálculo. O Órgão Central de Planejamento  fixaria esse preço de modo a satisfazer as condições objetivas de equilíbrio, assim como o mercado competitivo o faz.
9 Entretanto, em alguns casos pode haver uma solução múltipla. Cf. p. 59 na publicação original.
10 É só a desutilidade relativa das diferentes ocupações é que importa. A desutilidade absoluta pode ser zero ou até negativa. Colocando o lazer, a segurança, agradabilidade do trabalho etc, na escala de preferências, todos os custos de trabalho podem ser expressos como custos de oportunidade. Se esse recurso for adotado, cada indústria ou ocupação pode ser vista como produzindo um produto conjunto: a mercadoria ou serviço em questão e lazer, segurança, agradabilidade etc. Os serviços profissionais têm que ser alocados de forma que o valor desse produto marginal conjunto seja o mesmo em todas as indústrias e ocupações.
11 Se quaisquer fatores limitantes forem usados, é a diferença entre o valor do produto marginal dos serviços profissionais e o gasto marginal dos fatores limitantes que tem que ser proporcional à desutilidade marginal.
12 Cf. Wicksell, " Professor Cassel's System of Economics," re impresso in Lectures on Political
Economy, vol. I, London, I935, p. 24I.
13 Esse método foi defendido por Barone. Cf. The Ministry of Production in the Collectivist
State, pp. 278-9.
14 É claro que os consumidores continuam livres para poupar quanto quiserem dos rendimentos que são pagos a eles, e os bancos socializados podem (e, a fim de impedir açambarcamentos, deveriam) pagar juros sobre as poupanças. Mas essa taxa de juros não teria que ter nenhuma conexão necessária com a produtividade líquida marginal do capital. Ela seria arbitrária.
15 The Guidance of Production in a Socialist State, p. 7.
16 Ibidem, p. 8.
17 Professor Hayek in Collectivist Economic Planning, p. 2II.
18 Ibidem p. 2I2.
19 The Great Depression, p. 151.
20 Para reduzir o número de tentativas necessárias, um conhecimento da oferta e da demanda derivado das estatísticas, no qual o sr. Dickinson quer basear a precificação dos bens numa economia socialista, pode prestar um grande serviço. Mas esse conhecimento, mesmo sendo útil, não é necessário para encontrar os preços de equilíbrio. Entretanto, se os gestores das unidades de produção aderirem literalmente a tratar como constantes os preços fixados pelo Órgão Central de Planejamento, em alguns ramos de produção, as flutuações descritas pelo teorema da teia de aranha também podem aparecer numa economia socialista. Mas, em tais casos, o Órgão de Planejamento não teria muita dificuldade em modificar as regras sobre o caráter paramétrico dos preços para evitar as flutuações.
21 Cf. Principles of Economics, vol. II, New York, I9II, p. xvi. Cf. também pp. 456-7.

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