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Naum Gabo, Coluna, 1923 |
O objetivo com que sonham é precisamente tirar daquelas possibilidades de presente, isto é, de nossa época "neotécnica"segundo a terminologia de Patrick Geddes e de Mumford, uma arte que seja a cristalização do estado de cultura e civilização a que o homem potencialmente atingiu. São todos sujeitos de um robusto otimismo. Por um paradoxo que dá muito a refletir, dentre os jovens artistas modernos, quase que os únicos a denotar pessimismo (nas obras), certa tendência niilista, vivem nos Estados Unidos. Era o caso, por exemplo, de Pollock, morto há pouco tempo e talvez o originador da nova tendência francesa - le tachisme. É o caso de um W. Kooning. O abstracionismo deles, feito, talvez, de reminiscências fauvistas ou expressionistas, se manifesta através de um emaranhado de linhas e de manchas coloridas aparentemente arbitrárias (ou arbitrárias mesmo, Pollock trabalhava com a tela deitada no chão), que se poderia traduzir por uma espécie de solução de desespero, de violência, de certa aquiescência com a desordem espontânea. Nesse ponto o tachisme francês ou parisiense é diferente, e nada tem de inconformista, como o original americano.
Será tal pintura a revelação do desespero do homem que se sente enredado nos fios da máquina descontrolada? Um indício de sedução da desordem pela desordem, a manifestação inconsciente de um desejo coletivo pela autodestruição? Em outros artistas abstracionistas americanos, como Rothko e seus afins, a tendência trai como que uma volta à indefinição, à supressão da linha, da forma definida, ao mundo pequeno burguês desestruturado do impressionismo. Há, no entanto, ali, outro grupo de abstracionistas, como George L. K. Morris, Xeeron e outros, que são diretamente descendentes do cubismo, e bem representativos do otimismo americano no que este tem de melhor e mais aristocratizado.
A arte abstrata nos Estados Unidos é rica de contradições e de correntes opostas. Sua força está nessa variedade, e sobretudo, na extrema liberdade de pesquisas de seus artistas que trabalham não só desamparados dos poderes públicos como, frequentemente, sob a hostilidade destes. (Quem não se lembra das apóstrofes de Truman contra "a arte moderna"?) Mas por isso mesmo ela é uma arte de subversão, de inconformismo, de fé, de participação ativa na vida americana, de que é uma expressão autêntica e, sob certos aspectos, a mais promissora. Se os Estados Unidos fossem um país em que o Estado já fosse senhor de tudo e de todos, como ainda hoje na Rússia, a "doutrina oficial" de sua arte seria a que prevalece neste último país. A proteção "oficial" às artes nem sempre é vantajosa. Encerra perigos, e é uma ameaça perene de estiolação do espírito criador.
A verdade, sem rebuços, é que a corrente conservadora em arte hoje representada pelo chamado "realismo socialista". Resultou da contrarrevolução que se veio processando na Rússia, desde o isolamento nacional em que caiu a revolução, isto é, quando as forças progressistas europeias foram sendo sucessivamente esmagadas até o triunfo wagneriano de Hitler. Sob o signo de Lunatcharski ou de um Bogdanov, Leningrado e Moscou foram palco, nos primeiros anos da revolução, das maiores experiências artísticas em todos os domínios, desde o teatro e a música até a pintura e a escultura, e mesmo a arquitetura. O construtivismo com Pevsner, Gabo e outros nasceu ali, o suprematismo de Malevitch também, enquanto Kandinsky, diretor das artes em Moscou, tentava globalizar e estimular, sob a orientação realmente revolucionária, não só social como técnica e esteticamente, todas as atividades criadoras.
A partida de Gabo e Pevsner, a partida de Malevitch, de Kandinsky que em pouco tempo coincidia com o suicídio de Maiakóvski não foi por acaso. Era o indício de uma reação que principiando no plano aparentemente desinteressado da arte, ia terminar, em pleno obscurantismo stalinista, pela glorificação de Ivan, o Terrível e de Pedro, o Grande, o endeusamento de Stálin, o nacionalismo eslavônico panrusso, a exaltação do ecletismo estilístico na arquitetura e a volta, pura e simples, nas artes plásticas, aos assuntos, à imitação-cópia da realidade imediata o que, em relação ao período de Lênin e de Trotsky é uma estética francamente reacionária, criada outrora pela burguesia, nos seus dias de arrivismo social, cultural e político. E o que se viu, posteriormente, foi que, sob o pretexto de luta pela edificação do socialismo, chamou-se de "realismo socialista" a pura glorificação de uma burocracia privilegiada, dirigente do Estado, transformado em sua propriedade privada, e escravizada à crescente megalomania de Stálin, tirano mais sinistro que Ivan, o Terrível e, pelo menos, tão cruel quanto Hitler.
(Jornal do Brasil, 10.05.1957. Publicado em Política das Artes. São Paulo. Editora EDUSP, 1995, pg. 89-94)
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