Ano passado, eu tinha escrito um texto (em duas partes) sobre o PĂłs-Modernismo: a LĂłgica Cultural do Capitalismo Tardio, do Jameson. Mas o PĂłs-Modernismo Ă© uma aplicação ampla da metodologia que ele formulou em O Inconsciente PolĂtico: a Narrativa como Ato Socialmente SimbĂłlico, de 1981. Aqui, eu vou tentar explicar o que e essa metodologia, e compará-la com outras abordagens marxistas sobre a literatura, principalmente a estĂ©tica do Lukács.
A questĂŁo principal do livro, elaborada principalmente no primeiro capitulo, o programático "A interpretação: a literatura como ato socialmente simbĂłlico",Ă© a da posição do marxismo entre os diversos mĂ©todos de crĂtica cultural em conflito. A solução dada pelo jameson Ă© brilhante, e tudo o mais no livro vai decorrer dela: as várias formas de abordagens crĂticas (psicanalĂtica, formalista etc) pressupõem a formação, durante a histĂłria, dos seus campos interpretativos especializados - e essa formação sĂł pode ser compreendida dentro de uma teoria da histĂłria, o marxismo:
A defesa de um insconsciente polĂtico propõe que empreendamos justamente essa análise final e exploremos os mĂşltiplos caminhos que conduzem Ă revelação dos artefatos culturais como atos socialmente simbĂłlicos. Ela projeta uma hermenĂŞutica oposta Ă s já enumeradas, mas o faz, como veremos, nĂŁo tanto atravĂ©s do repĂşdio Ă s descobertas das outras, mas atravĂ©s da demonstração de sua primazia filosĂłfica e metodolĂłgica sobre os cĂłdigos interpretativos mais especializados, cujas revelações sĂŁo estrategicamente limitadas tanto por suas situações de origem quanto pelos modos estreitos ou locais pelos quais constroem ou estabelecem seus objetos de estudo.
Antes de começar a mostrar essa articulação feita pelo marxismo, o autor precisa passar pela polemica dentro da filosofia marxista sobre a questĂŁo da causalidade. É uma polĂŞmica importante, que surgiu dentro da crĂtica Ă s concepções mecanicistas sobre arte do perĂodo stalinista (por exemplo, a obra de um autor era vista como a “expressĂŁo” da posição de determinada classe social e, portanto, era considerada esteticamente progressiva ou reacionária por causa disso). EntĂŁo, o Jameson usa os conceitos althusserianos de causalidade mecânica, expressiva e estrutural e mostra qual a aplicabilidade de cada um dentro da crĂtica.
Nessa parte, ele mostra uma parte interessantĂssima da historia da hermenĂŞutica, que Ă© o nascimento da disciplina, atravĂ©s da interpretação da BĂblia pela teoria das quatro leituras (literal, alegĂłrica, moral e anagĂłgica), e mostra como o nĂvel anagĂłgico foi uma forma embrionária de leitura polĂtica (a leitura do ponto de vista da histĂłria da salvação).
Toda essa discussĂŁo sobre a causalidade serve para o Jameson introduzir a sua forma de trabalhar com o conceito de mediação (“a forma pela qual a filosofia dialĂ©tica e o prĂłprio marxismo tĂŞm formulado sua vocação para romper com os comportamentos especializados das disciplinas burguesas") e estabelecer a visĂŁo de que a mediação nĂŁo deve necessariamente se resolver em homologias entre os diferentes nĂveis (o real problema da causalidade expressiva
althusseriana).
Como forma de crĂtica historicizante das homologias, ele usa o retângulo semiĂłtico de Greimas (eu nunca tinha ouvido falar antes), dialetizando o seu formalismo e transformando-o no Ăndice do fechamento ideolĂłgico das possiblidades histĂłricas em determinada obra (como ele vai fazer na análise de A solteirona, de Balzac, no capĂtulo 3).
No final dessa parte, ele faz um diagnóstico dos conflitos entre Althusser e Lukács, que eu vou deixar para o final, quando eu for comparar Jameson e Lukács.
Na parte seguinte, ele mostra os dois pĂłlos entre os quais oscila a hermenĂŞutica, o primeiro sendo o da crĂtica Ă©tica (em termos das motivações e atitudes do autor, e como ele as elabora nas obras), sendo que, para o Jameson, a forma dominante da crĂtica Ă©tica no sĂ©culo XX Ă© a psicanalĂtica; e o segundo sendo a crĂtica mĂtico-teolĂłgica, que ele exemplifica atravĂ©s da obra de Northrop Frye sobre o significado do romance.
Depois dessa passagem, ele começa a elaborar o instrumental marxista para o tipo de crĂtica que supere essas formas locais e parciais. Ele retoma o conceito de mediação, que passa a ser filtrada (para evitar as homologias) pelo ideologema ("a menor unidade inteligĂvel dos discursos coletivos essencialmente antagĂ´nicos das classes sociais"). Um exemplo de ideologema, que ele dá no capitulo sobre Gissing, mas que seria melhor mostrar logo aqui pra exemplificar o conceito, Ă© o de ressentimento,ou seja, o discurso de que o ressentimento Ă© a causa dos protestos da classes dominadas.
O ideologema nĂŁo aparece diretamente, e sim Ă© elaborado dentro de uma estratĂ©gia de contenção, que sĂŁo os recursos (intelectuais na filosofia, mas formais na literatura) que fecham o horizonte ideolĂłgico da obra. AlĂ©m disso, o ideologema aparece somente no primeiro nĂvel da análise proposta pelo Jameson. Se todo texto Ă© uma elaboração sobre as contradições sociais, inclusive as que criam campos “locais” (individuo, famĂlia, nacionalidade etc), existem trĂŞs nĂveis de contradições, a saber
- o nĂvel social imediato, que nĂŁo aparece diretamente, e sim atravĂ©s dos ideologemas; as contradiçôes sociais aparecem nesse nĂvel como antinomias, que Ă© função da obra explorar;
- o nĂvel das classes sociais em luta. Nesse nĂvel, a metodologia do jameson se abre ao estudo das culturas subalternas, porque o discurso da classe dominante pressupõe o discurso das classes dominadas; Ă© a polifonia estudada por Bakhtin. Aqui, mais uma vez, o conflito de classes quase nunca aparece em sua forma nua, na maioria das vezes, está expresso nos termos do cĂłdigo-mestre da formação social da Ă©poca (Jameson usa o exemplo do cristianismo no perĂodo da revolução inglesa), mesmo que a unidade seja dada em termos de um modo de produção comum;
- o Ăşltimo nĂvel Ă© o mais alto, porque trabalha com a coexistĂŞncia entre vários modos de produção diferentes,e tem como horizonte Ăşltimo a histĂłria da humanidade como um todo. Aqui, os conflitos se dĂŁo em termos da ideologia da forma (ou seja, como cada forma literária especĂfica coordena as contradições entre os vários modos de produção em seu conteĂşdo - aqui entram os conceitos, de Hjemslev, de conteĂşdo da forma e forma da expressĂŁo ). É nesse horizonte, por exemplo, que ele vai analisar O Morro dos Ventos Uivantes, no capĂtulo 2 (de forma insatisfatĂłria, na minha opiniĂŁo), e em que ele vai falar do potencial utĂłpico contido em toda obra de arte, no Ăşltimo capĂtulo.
O capitulo 2 é um ensaio sobre os gêneros literários, usando como fio condutor o conceito de romanesco. Segundo ele
o valor estratégico do conceito de gênero está para o marxismo na função mediadora da noção de gênero, que permite a coordenação da análise formal imanente do texto individual com a perspectiva duplamente diacrônica da história das formas e da evolução da vida social.
Depois de fazer um pequeno esboço de por que o conceito de gĂŞnero se enfraqueceu na pĂłs-modernidade, atravĂ©s da ruptura do pacto tácito entre autor e pĂşblico, causada pela penetração da lĂłgica capitalista em toda a cultura, ele começa, novamente, a historicizar as duas formas dominantes de crĂtica genĂ©rica contemporânea: a semântica (ex: Frye) e a estrutural (ex. Propp), para mostrar como se articularam historicamente as noções de herĂłi e sujeito, usadas, respectivamente, por um e pelo outro.
Depois, começam os ensaios sobre Balzac, Gissing e Conrad, em que ele vai aplicar o método que ele expôs.
Em A solteirona e La rabouilleuse, de Balzac, ele vai mostrar como nessas obras - escritas antes do realismo “travar” o narrador onisciente no centro do romance - se opera o fechamento do horizonte, ilustrado pelo retângulo de Greimas: o horizonte histĂłrico tambĂ©m está fechado para Balzac, um legitimista, e as obras colocam os dilemas histĂłricos reais atravĂ©s dos conflitos entre os personagens-tipo balzaquianos.
No capĂtulo sobre Gissing, ele mostra como Ă© possĂvel, dentro do naturalismo, resolver o problema de um sujeito “exterior” que, mesmo assim, consegue ter um ponto de vista sobre as classes subalternas, atravĂ©s da personagem da filantropa, e como essa solução formal se liga com o ideologema do ressentimento.
Já o capĂtulo sobre Conrad Ă© o que eu tive mais dificuldade de entender, porque exige um conhecimento da obra dele que eu nĂŁo tenho (nunca li nada dele). Do pouco que eu entendi, vi que ele mostra dois elementos bem modernos na obra do Conrad: a Ă©criture, ou seja, aquele estilo modernista de livre associação, e a articulação (atĂ© pĂłs-moderna) entre a alta literatura e a literatura de massa, no caso, os romances de aventura (o jameson fala em quatro tipos de literatura de massas: essa, a ficção cientĂfica, os romances policiais e os gĂłticos). Ele fala do mar como elemento de contenção (deslocando os conflitos “para fora” da sociedade) e do ideologema fundamental da obra dele como sendo, surpreendemente, o da religiĂŁo da estĂ©tica, tĂŁo comum no final do sĂ©culo XIX (simbolismo, por exemplo), e como ele aparece no estilo de Conrad e se explicita indiretamente no episĂłdio do quase naufrágio dos peregrinos para Meca.
O Ăşltimo capĂtulo, o 6, aparece a parte que eu vejo como a mais problemática do Jameson, que Ă© a procura de elementos utĂłpicos em todas as formas de arte, inclusive nas mais degradadas, invertendo a famosa tese do Walter Benjamin ("toda obra de cultura Ă©, ao mesmo tempo, uma obra de barbárie). Parece que ele cai no tipo de dialĂ©tica abstrata que ele tanto critica atravĂ©s do livro, colocando uniformemente esse elemento utĂłpico por toda parte, por exemplo (em Reificação e Utopia na Cultura de Massa), em filmes como O Poderoso ChefĂŁo e TubarĂŁo (!!!).
Para analisar as nostalgias de reconciliação presentes em obras culturalmente reacionárias, eu prefiro a tese do Zizek, em O Mais Sublime dos Histéricos, em que ele fala da fantasia primordial do fascismo como sendo da harmonia de todo o corpo social, uma fantasia análoga à de que existe a relação sexual.
Jameson e Lukács
Depois de falar sobre o livro, só umas palavrinhas sobre as diferenças entre eles (eu não saberia falar agora sobre o Adorno, mas seria um tema interessante para escrever depois).
Antes disso, vou copiar aqui o trecho em que o Jameson contrasta Althusser e Lukács:
1) o problema da respresentação e, particularmente, o da representação da HistĂłria: como já se sugeriu, este Ă© essencialmente um problema narrativo, uma quest]ao da adequação de qualquer moldura narrativa em que a HistĂłria poderia ser representada; 2) o problema correlato das "personagens" da narrativa histĂłrica ou, de maneira mais precisa, o do status do conceito de classe social e de sua disponibilidade como um "sujeito da HistĂłria" ou principal ator dessa narrativa histĂłrica coletiva; 3) a relação entre a práxis e a estrutura, e a possĂvel contaminação do primeiro desses conceitos pelas categorias da ação puramente individual, em oposição ao possĂvel aprisionamento do segundo desses conceitos em uma visĂŁo em Ăşltima análise estática e reificada de um "sistema total"; 4) o problema mais geral, derivado desse Ăşltimo, do status do sincrĂ´nico e sua adequação enquanto moldura de análise; ou, correlativamente, da adequação da visĂŁo dialĂ©tica mais antiga da transformação diacrĂ´nica e da periodização, mais notoriamente no relato a ser feito da transição de um modo de produção a outro; 5) a questĂŁo correlata do status de uma categoria nĂŁo menos central para a dialĂ©tica clássica que Ă© a mediação, ou seja, a contradição, e sua formulação na nova moldura estrutural ou sincrĂ´nica (uma categoria que, Ă© preciso insistir, Ă© radicalmente distinta das categorias semiĂłticas da oposição, antinomia ou aporia); 6) e, finalmente, a noção de uma totalidade, termos que Althusser continua a empregar, procurando sempre diferenciar radicalmente seu conceito de uma totalidade verdadeiramente estrutural do da antiga totalidade expressiva, que passa por ser a categoria organizadora do idealismo hegeliano e tambĂ©m do marxismo hegeliano (Lukács, Sarte).
Mas o contraste mais importante Ă© entre a crĂtica cultural jamesoniana e a estĂ©tica lukacsiana. No Prefácio, em que ele explica o que O Inconsciente PolĂtico nĂŁo Ă©, ele diz
Portanto, se este livro nĂŁo propõe uma estĂ©tica polĂtica ou revolucionária, ele igualmente pouco se preocupa em levantar mais uma vez os problemas tradicionais da estĂ©tica filosĂłfica: a natureza e função da arte, a especificidade da linguagem poĂ©tica e da experiĂŞncia estĂ©tica, a teoria do belo, e assim por diante. Entretanto, a prĂłpria ausĂŞncia desses problemas pode servir como comentário implĂcito a respeito deles; tentei conservar uma perspectiva essencialmente historicista, na qual nossas leituras do passado dependem de maneira vital de nossa experiĂŞncia com relação ao presente e, particularmente, das peculiaridades estruturais daquilo que por vezes Ă© chamado de societĂ© de consommation (ou de momento "desacumulativo" do monopĂłlio tardio, ou consumismo ou capitalismo multinacional), aquilo que Guy Debord chama de sociedade da imagem ou do espetáculo. O problema Ă© que em uma sociedade como essa, saturada de mensagens e de experiĂŞncias "estĂ©ticas" de todos os tipos, as prĂłprias questões referentes a uma estĂ©tica filosĂłfica mais antiga precisam ser radicalmente historicizadas, podendo-se esperar que se tornem irreconhecĂveis nesse processo.
Quanto Ă ideia do fim da autonomia, que cancelaria ou tornaria irreconhecĂvel a estĂ©tica, na primeira parte do texto sobre o PĂłs-Modernismo eu argumentei que decorre de uma concepção, diferente da do Mandel apesar de se dizer baseada nele, de que o capitalismo conseguiu controle total sobre todas as esferas da sociedade.
Nisso, eu vejo o segundo grande problema do Jameson, que fica evidente na forma em que ele vê O Morro dos Ventos Uivantes como uma obra que articula a monetarização da economia rural. Não sem influência do historicismo absoluto, ele necessariamente precisa tratar a arte como uma articulação superestrutural. Bem diferente da estética lukacsiana, inspirada em Goethe, em que a arte é uma forma complementar à ciência de compreender o mundo. Justamente por isso, a estética do Lukács permite ver a arte como algo transistórico, defender a necessidade da sua autonomia, e dar uma profundidade maior às obras do que intervenções ideológicas no discurso.
Comentários
-- Bem sacado esse negócio da percepção de "possibilidades utópicas" em obras de entretenimento. É uma tese complicada, me parece que o Zizek concorda com ela em versão menos otimista. Vc tem que a interpretação do Zizek do filme Tubarão, está naquele filme "Guia Pervertido da Ideologia".
-- O negócio da fantasia fundamental do fascismo ser uma ideia de totalidade orgânica é fantástico né? O cara nega fenômeno básico do desejo humano, a castração, o que Lacan fala quando diz que "não há relação sexual".
-- Vc fala de prĂłximas leituras. Adorno Ă© bom, mas creio que o Marcuse Ă© interessante tambĂ©m. No homem unidmensinal, aquele negĂłcio da "dessublimação repressora" ele pega da análise do Romance no XIX, nĂŁo peguei direito o arguemento, teria que ler de novo. (Mas a tĂtulo comparativo com Luckacs e o Jameson vc podia estudar e me explicar depois!) Mas Adorno Ă© interessante tambĂ©m, parece que manda bem no Kafka. Tem tb o Benjamin, ele fez crĂtica do Baudelaire e dos Surrealistas. Um texto legal seria se vc pegasse um autor criticado por todas as vertentes , seria didático para o leitor. Vc já leu o Auerbach Mimesis
Segue o link de um texto de JoĂŁo Cezar de Castro Rocha (tem a parte 2 no site), que apreende o princĂpio mimĂ©tico trazendo para o contexto brasileiro a partir da leitura de cartas do Auerbach trocada com o Benjamin.
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/mimesis-erich-auerbach-em-exilio-i/
-- No fim vc parece colocar o autor naquilo que ele critica, o pós-moderno, já que ele abandona a autonomia da Arte, e a apreensão de qualquer critério transhistórico. Não sei como questionar bem isso, mas algo me incomoda nessa leitura, entendo a necessidade de se "dar uma profundidade maior às obras do que intervenções ideológicas no discurso", mas uma pesquisa que enfoque o ideológico não necessariamente tem de supor a inexistência daquilo que suprime de sua análise.
Quanto a percepção do valor estĂ©tico da obra, certamente que a historização excessiva impede que ele apareça. Mas me parece que o vigor da crĂtica desses caras passa por aĂ mesmo que nĂŁo assumido. O pouco que eu li da crĂtica de obras de arte do Jameson, digo que ele Ă© bom, saca coisas relevantes. NĂŁo sei bem quem Ă© melhor crĂtico, mas acho interessante nesses caras verem na atividade da crĂtica cultural uma espĂ©cie de militância.
Bom comentário, Guilherme!
Vou respondendo por partes
"Cara, se vc puder me dá uma explicada nisso que eu tenho fortes dúvidas, tanto em Althusser como em Luckács"
O problema da causalidade tá no A favor de Marx, do Althusser. O livro Ă© abertamente uma polĂŞmica contra o marxismo mecanicista do perĂodo do stalinismo. A crĂtica que ele faz Ă© baseada nisso. Por exemplo, quando ele fala da causalidade expressiva em Hegel (por exemplo, no perĂodo do cristianismo, as leis, a arte, a moral etc, tudo contĂ©m o mesmo princĂpio cristĂŁo do indivĂduo), Ă© para mostrar como isso transparece na produção marxista do stalinismo. A forma principal disso foi a ideia de que tanto a arte como a ciĂŞncia eram simples superestruturas. Isso levava a conclusões do tipo "o modernismo Ă© burguĂŞs, portanto os autores sĂŁo reacionários", "a psicanálise Ă© uma teoria burguesa pra dizer que o ser humano Ă© irracional" etc. No Hegel, isso acontece atravĂ©s do Zeitgeist (EspĂrito do Tempo), mas no marxismo dogmático, Ă© atravĂ©s da causalidade mecânica, em que a base determina uma superestrutura.
Já a causalidade estrutural Ă© uma tentativa de romper isso, porque Ă© uma causalidade "deslocada".Por exemplo, quando o Althusser fala em aparelhos ideolĂłgicos do Estado, eles tĂŞm uma autonomia relativa (inclusive existe luta de classes dentro deles), e eles sĂŁo o produto da divisĂŁo de classes, mas por causa da autonomia relativa, eles lidam com essa cisĂŁo com os recursos da sua área especĂfica (por exemplo, o debate sobre meritocracia dentro do aparelho escolar surge da contradição de classes, mas nĂŁo Ă© uma simples transposição do conflito burguesia x proletariado).
Espero que eu tenha conseguido explicar bem!
"Bem sacado esse negócio da percepção de "possibilidades utópicas" em obras de entretenimento. É uma tese complicada, me parece que o Zizek concorda com ela em versão menos otimista. Vc tem que a interpretação do Zizek do filme Tubarão, está naquele filme "Guia Pervertido da Ideologia"."
Vou ver o vĂdeo que tu me mandou. Valeu, cara!
"Vc fala de prĂłximas leituras. Adorno Ă© bom, mas creio que o Marcuse Ă© interessante tambĂ©m. No homem unidmensinal, aquele negĂłcio da "dessublimação repressora" ele pega da análise do Romance no XIX, nĂŁo peguei direito o arguemento, teria que ler de novo. (Mas a tĂtulo comparativo com Luckacs e o Jameson vc podia estudar e me explicar depois!) Mas Adorno Ă© interessante tambĂ©m, parece que manda bem no Kafka. Tem tb o Benjamin, ele fez crĂtica do Baudelaire e dos Surrealistas. Um texto legal seria se vc pegasse um autor criticado por todas as vertentes , seria didático para o leitor. Vc já leu o Auerbach Mimesis
Segue o link de um texto de JoĂŁo Cezar de Castro Rocha (tem a parte 2 no site), que apreende o princĂpio mimĂ©tico trazendo para o contexto brasileiro a partir da leitura de cartas do Auerbach trocada com o Benjamin.
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/mimesis-erich-auerbach-em-exilio-i/"
O Auerbach foi pra minha lista! A ideia de pegar um autor e colocar as várias abordagens sobre ele é muito boa, vou tentar fazer isso com o Kafka!
"No fim vc parece colocar o autor naquilo que ele critica, o pós-moderno, já que ele abandona a autonomia da Arte, e a apreensão de qualquer critério transhistórico. Não sei como questionar bem isso, mas algo me incomoda nessa leitura, entendo a necessidade de se "dar uma profundidade maior às obras do que intervenções ideológicas no discurso", mas uma pesquisa que enfoque o ideológico não necessariamente tem de supor a inexistência daquilo que suprime de sua análise".
O Jameson não é pós-moderno, mesmo que ele use algumas metodologias pós-modernas. As questões dele são internas ao marxismo. Eu também acho muito importantes algumas coisas que ele propõe. Até aquele livro A Virada Cultural também tem muita coisa legal.
Valeu mesmo pelas perguntas e sugestões. Um abração, cara!
Assim como você, penso que o problema da utopia, colocada como chave interpretativa para os objetos estéticos em geral (grandes romances, cultura de massa) é interessante , mas talvez haja certa complacência do autor com os efeitos negativos das utopias sociais reificadas.