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Previdência pública, redistribuição de renda na classe trabalhadora, limites estruturais

 

Nós temos visto nas últimas décadas, na hegemonia neoliberal, uma série de lutas defensivas contra cortes na previdência pública. São lutas importantes, mas colocam uma questão: quais são os limites da previdência pública, e da redistribuição de bens e serviços na sociedade? 

Numa sociedade capitalista, existem três formas de custeio do sistema de aposentadoria: o primeiro é através de contribuições patronais e dos empregados, num regime de repartição. A segunda é uma forma de repartição em que o custeio é feito diretamente pelo Estado através dos impostos - que, no final, são deduções das rendas dos trabalhadores e dos empresários. A terceira é o sistema de capitalização através de contas individuais.

As formas de repartição no capitalismo também precisam cobrir as perdas de arrecadação por desemprego e, principalmente, pela informalidade, como é o caso do Brasil. Mas independente do sistema econômico, o aumento crescente da expectativa de vida da população impõe a necessidade de uma parte cada vez maior da reprodução social ser consumida por aposentados. 

Vou simular algumas consequências que isso pode ter numa sociedade socialista. 

Para chegar ao máximo de simplificação, vamos imaginar que a sociedade já substitui o dinheiro por bilhetes de trabalho, assim podemos elidir a forma monetária. E que a população chegou a uma expectativa de vida de 120 anos, igualmente distribuída por todas as idades. Ou seja, que a pirâmide populacional virou um retângulo. 

Logicamente, é um caso extremo. Nesse caso, a razão de dependência, ou seja, a proporção entre trabalhadores inativos e ativos, seria a mesma que entre o período médio de trabalho e o período médio de aposentadoria. Por exemplo, começando a trabalhar aos 18 anos e aposentando aos 65, e depois vivendo até os 120, a razão de dependência de idosos seria 117% (55/47).

Nem mesmo no Japão essa proporção foi atingida, mesmo com a pirâmide já estando invertida, ou seja, com mais idosos do que crianças. A proporção em 2022 no Japão foi 71%.


No Brasil, a razão de dependência está aumentando rapidamente, como pode ser visto na tabela:



O regime de repartição é muito esclarecedor, porque ele mostra de uma forma mais transparente como acontece na reprodução social: as contribuições significam uma parte do trabalho de toda a sociedade que vai sustentar a reprodução social dos aposentados. Já o de capitalização obscurece que a valorização das cotas é lastreada pela valorização dos capitais ou títulos públicos em que as cotas são aplicadas. Ou seja, o trabalhador se apropria, através do fundo de pensão, de uma parte da acumulação de capital. 

Se a renda dos aposentados for a mesma da ativa, a proporção entre a contribuição e o trabalho vai ser a mesma que a razão de dependência. 

Mesmo numa sociedade capitalista, a razão entre a massa salarial total e o gasto com aposentadorias é ligada à razão de dependência. Existindo desemprego em massa e informalidade, o total das contribuições é reduzido na mesma medida, o que é uma das causas estruturais do déficit. 

O mais importante a lembrar sobre essa questão é que o financiamento das aposentadorias não é uma forma de exploração, e sim uma divisão da reprodução social entre os ativos e inativos. Nas palavras de Ian Gough, no livro Political Economy of the Welfare State

Parte dessa receita tributária é então devolvida às famílias da classe trabalhadora na forma de benefícios de seguridade social, como, por exemplo, abonos familiares, auxílio-doença e auxílio-desemprego para manter a força de trabalho quando ficam desempregados por períodos curtos, e também na forma de educação e serviços de saúde utilizados por essas famílias. Mas outra parte, provavelmente a maior, é canalizada para os vários grupos que não trabalham em forma de pensões para idosos, benefícios por invalidez, serviços sociais de saúde e pessoais etc. Uma terceira parte, como vimos, continua a ser gasta pelo Estado em outros itens, principalmente para o benefício direto do setor capitalista.

Por isso, independente das políticas neoliberais de cortes do Estado de bem estar social, existem limites concretos que impõem a necessidade de aumento do tempo ou do valor proporcional da contribuição.


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