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"Trabalhadores do Brasil"


Eu tô lendo aqui a coletânea de contos Trabalhadores do Brasil, que foi organizada pelo Roniwalter Jatobá e publicado em 1998. É muito boa. Só quero comentar sobre algumas questões estéticas envolvidas. 

Em primeiro lugar, o Luiz Ruffato considera que o Roniwalter Jatobá foi o criador de uma literatura proletária brasileira. Não sei. Antes dele, existiram escritores que falaram sobre a classe trabalhadora brasileira, talvez o diferencial do Jatobá tenha sido esse ser o foco da obra dele. Aliás, o próprio livro mostra que esse tema tem sido explorado pelo menos desde o começo do século XX, até por outros autores além dos representados na coletânea, por exemplo o Dalton Trevisan, Mário de Andrade, ou vários naturalistas (Inglês de Souza, Aluísio Azevedo, talvez o Domingos Olímpio etc). 

O que também é apontado pelo Luiz Ruffato, e com razão, é que, muitas vezes, em vez de retratar os trabalhadores, os escritores têm retratado o lumpemproletariado (Plínio Marcos, Paulo Lins e por aí vai). Na coletânea do Jatobá, essa fronteira especificamente de classe é fraca (não é à toa que o subtítulo é Histórias do Povo Brasileiro). Alguns contos também mostram o lúmpen (Não Pecar contra a Castidade, O Rei de Copas, Craque Café, Matadores etc), e outros não delimitam a classe trabalhadora assalariada; algumas vezes pegam os estratos subproletários (Guardador, Trabalhadores do Brasil etc) ou setores médios (tem até um conto, HD, sobre um diretor de multinacional, mas também sobre jornalistas, publicitários etc). Eu não falo isso por implicância nem pedantismo teórico, e sim porque tira um pouco o foco (sei lá, falar de lojista, como em Ofertas da Casa Dalila, é meio que "roubar" na regra da escolha dos contos).

Tem outra coisa também, quando se fala em literatura "proletária", usando um termo que só faz sentido hoje em dia no jargão marxista, será que não está se pressupondo uma posição de classe? Ou seja, contos de um ponto de vista de classe? Se for, o ponto de vista do Ruffato faz menos sentido ainda, porque ele exclui explicitamente os autores de realismo socialista ou engajados que representaram os trabalhadores a partir de uma visão comunista (Jorge Amado, Pagu etc). 

Dito isso, tem duas coisas que se relacionam. A qualidade literária, e como a classe trabalhadora deve ser retratada de uma forma esteticamente autêntica. Esse que é o grande desafio pra dar um salto pra fora do mundinho de classe média da grande maioria da literatura brasileira, inclusive a atual

Como não poderia deixar de ser, numa coletânea que abrange um século e quarenta autores, tem contos de valor desigual. Alguns contos são maravilhosos, por exemplo A Maior Ponte do Mundo, Ascensorista, Acidente em Sumaúma, O Adhemarista, Conto de Circo, Trabalhadores do Brasil, entre outros. Outros não conseguem ir além meio que de um registro "sociológico" como Carreto ou Curriculum Vitae, ou experiências de linguagem, tipo o Craque Café ou Boa-Noite, Vigia. E, lógico, não necessariamente isso tem a ver com a posição de classe do autor. O Jardineiro Timóteo, do Monteiro Lobato, consegue te maravilhar pela poesia da escrita dele, e dar ódio pelo retrato racista do Pai Tomás que é o personagem, ao mesmo tempo. 

Mas parece que os contos conseguem ter mais vida e mais força quando não se prendem tanto à "etnografia" dos personagens e meio social em que vivem, e vinculam a ação humana deles com os limites impostos pela condição de classe em que vivem. Além dos que eu já falei, tem por exemplo Viver e No Fim da Tarde, Antes do Jantar, pra não falar em Pai Contra Mãe, porque Machado de Assis não vale. Outros conseguem criar vinhetas muito expressivas da vida passando, como Fazendo a Barba, ou o já mencionado Trabalhadores do Brasil.

Enfim, eu adoro coletâneas assim. Os contos são a minha forma literária preferida, e deu pra conhecer alguns autores que eu nunca tinha lido, rever uns que eu gosto muito (Murilo Rubião, Márcio Souza, José J. Veiga...) e pensar em formas de abordar a vida da nossa classe na literatura, vendo como elas têm se desenrolado na literatura brasileira. 

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