Pular para o conteúdo principal

Primeiro a luta de classes? (Kátia Cajá)


Você realmente acha que, resolvendo a questão econômica, acaba o patriarcalismo, o racismo e a homofobia?

Os homens de esquerda mentem. Dizem que sem focar nela, as opressões não são superadas. Mentira. O capitalismo tá aí firme e forte e já conquistamos nele mesmo direito a divórcio, participação política, em muitos países ao aborto e casar a com outra mulher, e a violência doméstica foi criminalizada. O que não mudou foi a exploração da burguesia sobre as mulheres trabalhadoras.

Sendo eu mesma uma trabalhadora, sou anticapitalista. Mas o feminismo liberal tá aí avançando a passos largos. Os marxistas precisam incorporar os avanços que as feministas materialistas trouxeram urgentemente, ou as mulheres operárias e camponesas vão ficar eternamente abandonadas. Ou então, como eu estou agora, lutando irmanadas em organizações feministas, mas sem a potência que poderíamos ter se fossemos admitidas nas organizações mistas.

Infelizmente as organizações marxistas incorporaram um discurso feminista liberal, com o objetivo questionável de "autoconstrução", já que ele dialoga bem com as massas - lógico, tá até na Globo! Isso é um erro. O certo seria as feministas materialistas serem ouvidas, e suas contribuições incorporadas, mas as direções dos partidos pararam no tempo.

Misoginia e racismo não são meramente questões superestruturais. O patriarcado por exemplo é um sistema de exploração econômica.

Os meios de produção estão em sua esmagadora maioria em mãos masculinas. Mulheres são minoria absoluta não só na burguesia propriamente dita, como também na classe média, exercendo com menos frequência cargos de chefia, ganhando menos por trabalho igual etc. Por outro lado, a maior parte das pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza no mundo são mulheres. A classe operária veste saias! O campesinato também, embora o protagonismo feminino, em todos os setores, inclusive nesses, costume ser invisibilizado.

Os homens se apropriam do trabalho das mulheres, não só de produção, mas de reprodução das condições materiais de existência - desde o trabalho doméstico, que é feito DE GRAÇA, até o trabalho de cuidado das crianças - como se educar um ser humano não fosse de interesse da coletividade, e sim da mãe.

Não tem como resolver a "questão econômica" (concentração de riqueza em mãos heteromasculinas e brancas) primeiro e deixar pra depois o fim do patriarcado e do racismo. A classe trabalhadora, que é composta em sua maioria por mulheres, pode expropriar a burguesia, que é masculina, e repartir a riqueza para o conjunto dos seus membros. Ou reparti-la entre os homens e deixar pra olhar a situação das mulheres depois, um dia desses, ninguém sabe quando.

Por isso é tão fundamental ter mulheres que reivindicam um feminismo materialista de verdade entre os quadros das organizações de esquerda. E combater com veemência o machismo dentro delas, hoje mesmo. É importante também que as mulheres se auto-organizem, pois tá cheio de revolucionário anticapitalista que não vai querer largar mão nunca de ter quem lave suas cuecas, e organizações mistas vivem sofrendo com homens sabotando por dentro a causa feminista.

Comentários

Cristian disse…
Saudações,

Concordo em grande parte com os argumentos do texto. Só tem um problema, digamos, metodológico, em uma das afirmações feitas.
"'questão econômica' (concentração de riqueza em mãos heteromasculinas e brancas)"
Acredito que a "questão econômica", pelo menos na tradição marxista, não consista exatamente na natureza étnica ou de gênero dos detentores da riqueza, e sim na existência de um grupo que concentra riqueza obtida através da exploração do trabalho. Uma burguesia lésbica indígena ou branca heteronormativa é, a rigor, a classe dominante. Eis a diferença entre o feminismo liberal e o feminismo materialista, a constatação da luta de classes aliado à dominação patriarcal.
rodrigodoo disse…
Concordo com esse seu comentário, Cristian

(eu só vi o seu comentário hoje, desculpa pela demora pra responder!)