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Para Além do Princípio do Prazer


Como eu tenho que devolver o livro, vou anotar aqui algumas impressões sobre ele.

Primeiro, mostra o que afasta a psicanálise de ser uma ciência, ao mesmo tempo em que a aproxima. Qualquer tese tipo a do Popper, que acha que a psicanálise é somente uma metafísica, não resiste ao relato do Freud sobre as mudanças na metapsicologia, sempre causadas pela experiência clínica.

Por outro lado, o que fica claro é que essas mudanças não têm como ser verificadas independentemente por uma comunidade que possa rejeitar o paradigma, e dependem da tradição (que na época passava pela pessoa do Freud, que era tipo o "guru" do movimento, decidindo o que valia ou não).

Nesse ponto, a situação é bem semelhante à do marxismo (se bem que as teses do marxismo têm a história como seu campo de aplicação, então me parecem mais facilmente universalizáveis que a psicanálise), em que cada nova descoberta causa cisões dentro das igrejinhas que acham que monopolizam a teoria.

O que é mais chocante é que o conceito de instinto de morte ("instinto" na merda da tradução brasileira) foi defendido com todas as letras como uma hipótese, depois no final do livro vira a terceira concepção sobre as pulsões sem nenhuma transição, no último capítulo. E desde então, qualquer pessoa que dissesse que a tal pulsão não existe ou que tem outra explicação que não seja a tendência do organismo a morrer pelos próprios meios, vira automaticamente um "dissidente" da psicanálise.

Da minha parte, logicamente sem nenhuma experiência prática, e só me baseando nos exemplos do livro, me parece bem claro que as neuroses de guerra, o menino que brincava de "sumir" a mãe etc, estão para além do principio do prazer, e que realmente existe essa compulsão à repetição, mas isso não quer necessariamente dizer que existe essa pulsão de morte.

Aliás, existe muita extrapolação biológica na explicação. Toda aquela ladainha sobre as células, se a morte é originária ou se passou a existir depois, é muito interessante, mas tem tanto a ver com o assunto como aquela outra ladainha reichiana sobre o orgônio.

Deixando bem claro que, entre o dualismo freudiano e o monismo do Reich eu fico com o primeiro sem pestanejar. O papel de uma teoria crítica é mostrar as potencialidades emancipatórias em um objeto específico, e não ficar consolando as pessoas de esquerda com bobagens sobre a "essência revolucionária" do ser humano. O Reich me parece muito mais ideológico que o pessimismo burguês do Freud (que não me parece muito longe da realidade).

Outra coisa que eu queria saber mais ése a neurologia atual concorda ou não com as intuições do Projeto, que o Freud escreveu em 1895, e que aparece claramente como a base de toda a metapsicologia posterior, incluido o Para Além do Princípio do Prazer.

A tentativa de arrancar essa base fisiológica da psicanálise, e trocar por qualquer outra (linguística, hermenêutica etc) só parece que tem sentido se mostrar o que muda com essa troca, já que é impossível mudar totalmente essa base a estrutura do prédio ficar igual.  

Pra terminar, eu acho que algumas coisas que a psicanálise produziu são indispensáveis. Esse livro é uma delas.  

Comentários

rodrigodoo disse…
O Guilherme comentou:

Bela leitura Rodrigo. Vou ficar com o problema que vc coloca, se devemos ou não adimitira existência da pulsão de morte. (Tendo a achar também uma merda traduzir 'trieb' por instinto..)

Eu diria que a noção de pulsão de morte assume um es...tatuto epistêmico muito singular, se comparado a uma noção qualquer que integre um corpus científico por uma lado, ou a uma fundamentação conceitual de tipo metafísico. Coisa tentada por um lado pela tradição analítica anglo-saxã (a piscologia do ego, que incusive precisa rejeitar a noção de pulsão de morte na formulação freudiana) e por outro pelos dissidintes "filosóficos" como Jung, Reich e Adler que precisaram fundar suas ontologias. A psicanálise fica sendo nem uma ciência, nem uma filosofia, e aqui fico com a solução do Lacan: ela é um ética.

Agora fica restando saber qual a função desse aparato conceitual, que na teoriazação freudiana, passa re-elaborações sucessivas. Bem, no ponto de vista clínico, não são universais, cada analista tende a se apropriar de uma maneira única do manancial freudiano. Lacan certamente foi o mais freudiando dos discípulos, não porque tenha respeitado sua doutrina, mas por tê-la posto a prova a todo instante, buscando aparatos conceituais não experimentados por Freud, retirando-o do posto de Pai primordial, lutando contra sua tendência biologizante e cientificista, fugindo da perigo da institucionalização da Psicanálise (Ele fundou e desfundou várias escolas).

Todavia tavez interesse ao antropólogo ou cientista político, produzir análise que levem em conta a dimensão pulsional. Que é por exemplo olhar para a razão de Estado, buscando sua dimensão inconsciente, aquilo que é pela via da sua racionalidade, ocultado, colocado para debaixo do tapete.

Quanto a questão do que muda com a troca do modelo biológico para o linguístico. Sugiro que termine de ler o texto de Lacan "A instância da letra no inconsciente, ou a Razão desde Freud", que vc já arrumou. Em resumo a estrura epistemológic...a da letra (exibida particularmente bem em "Dois tipos de afasia" do linguista Jakobson) não recaí nem no determinismo, nem na hermenêutica. Para ficar num exemplo a noção de "energia" tão importante para explicar o aparelho psiquico, segundo a visada lacaniana tem de entendida com uma metáfora. A tradição anglosaxã que adora o 'Projeto', trazendo as pesquisas do neurocognitivismo, vão no sentido oposto. Outro texto muito bom é o "A carta Roubada", sobre o conto homônimo do Poe (Lacan está sob os olhos a tradução que Baudelaire fez). Lê o conto, depois o artigo, é muito bom! Sobre os caminhos do significante. Esse vc tem que resenhar!